Protocolo ESG: quando a quantidade acaba afetando a qualidade

Por Valéria Militelli*

 

Qualquer mudança requer algum nível de esforço, as importantes e complexas, esforço bem maior. Nós, seres humanos, em geral tendemos a resistir e não adotar mudanças quando são necessárias. Com as questões de ESG, não é diferente.

Nesta coluna eu gostaria de abordar como estamos “navegando” um único aspecto: o de protocolos e conceitos adotados para práticas e prestação de contas ESG. Estamos trazendo luz (ou não) a questões complexas e nada triviais? De que forma estamos facilitando este processo de transição para uma nova economia? Como podemos garantir a evolução dos meios que vão possibilitar resolvermos ou diminuirmos nossos impactos negativos?

Neste sentido, padronizar conceitos, metodologias, processos faz sentido. Garantir um entendimento quase uniforme sobre o problema, o andamento das práticas para endereçá-lo e quem sabe chegar a sua solução. Poderíamos comparar, aprender e fazer melhores escolhas com estas informações. Sim, desde que consigamos entendê-las corretamente e incluir o maior número de pessoas nesta corrente.

E como o mundo tem se organizado para fazer isto? Esta é a grande questão. No meu ponto de vista avançamos na agenda sim, porém creio que introduzimos uma complexidade grande demais para sermos inclusivos e para aumentar o alcance desta agenda, digamos, a não “iniciados”. Com a nova onda ESG dos últimos três anos, estamos acompanhando uma avalanche e uma proliferação de novos conceitos, novos protocolos e nomenclaturas.

As expressões “neutralidade de carbono” e “net zero” são emblemáticas. Em uma leitura rápida parecem ser a mesma coisa, mas são bem diferentes. A primeira é alcançada quando nenhum equivalente de dióxido de carbono é adicionado à atmosfera por uma organização, empresa ou país e pode envolver a eliminação de emissões, sua compensação ou combinação de ambas. Já ser “net zero” também significa não adicionar novas emissões à atmosfera, mas alcançar esse status exige ainda a eliminação das emissões indiretas geradas por toda a cadeia de valor, incluindo fornecedores e clientes.

Esta complexidade, algumas vezes necessária e muitas vezes infundada, dificulta e muito a adoção de um entendimento comum, ainda impossibilitando a escolha consciente e justa por parte de alguns elos da cadeia, da área de suprimentos até do consumidor final.

Quem tem uma comunicação mais agressiva leva muita vantagem, e pode muitas vezes não estar necessariamente contribuindo mais para o avanço da agenda de ESG. Ah, mas isto é “greenwashing”? Não necessariamente.

Aqui gostaria de apenas abordar o aspecto do nível transparência real que conceitos e protocolos indicariam. Sem sermos especialistas no tema fica praticamente impossível tomar melhores decisões apoiando empresas e organizações que, de fato, fazem um bom trabalho na mitigação de impactos negativos e criação de valor para a sociedade.

Em relação a protocolo para métricas e prestação de contas, o cenário é ainda pior. Hoje existem mais de 2 mil estruturas de relatórios, exigências, metodologias e protocolos, segundo recente trabalho feito pela TCS﹒ai e intitulado “The ESG Playbook”, do qual eu pude participar. Para o documento, produzido de abril de 2020 a março de 2021, a TSC organizou uma turnê global de escuta em mais de 25 países, 75 empresas e 98 líderes em ESG, classificando como “clara frustração” a proliferação e a falta de alinhamento entre esses termos. E, de lá para cá, quase nada foi feito para mudar esse quadro, pelo contrário, existe um mercado paralelo de protocolos e certificações, onde bancos, ratings e empresas estão correndo para ter o seu, ao invés de buscar convergência e simplificação.

O levantamento mostrou ainda que a maioria administrava a divulgação de ESG sob critérios alocados pela Global Reporting Initiative (GRI); Sustainability Accounting Standards Board (SASB); International Integrated Reporting Council (IIRC); Task Force on Climate-related Financial Disclosures (TCFD); e Carbon Disclosure Project (CDP) ou mesmo com abordagem mista.

De novo, os protocolos ESG foram, e continuam, fundamentais para nortear o trabalho de empresas e governos na busca de ações mais sustentáveis e humanas, caminho que não tem volta e já enraizado em boa parte da opinião pública. Mas, agora, é preciso haver ajustes e simplificação para que esse movimento ganhe ainda mais tração e possa gerar valor, com todo seu potencial, para o avanço da agenda de ESG e para a sociedade.


*Valéria Militelli é Diretora Global de sustentabilidade, comunicação, impacto social e relações institucionais no Grupo Ultra; professora convidada da Fundação Dom Cabral; presidente do conselho consultivo da Phomenta; membro da rede de Responsible Leaders BMW; da Liga de intraempreendedores global e conselheira do Instituto Ultra.

 


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