Boletim Cana30: resumo de junho e os pontos selecionados para julho

Marcos Fava Neves é Professor Titular (em tempo parcial) das Faculdades de Administração da USP em Ribeirão Preto e da EAESP/FGV em São Paulo, especialista em planejamento estratégico do agronegócio. Confira textos, vídeos e outros materiais no site doutoragro.com

Vamos aos nossos fatos relevantes de junho e as perspectivas para julho. Na cana… em relação ao processamento, de acordo com a UNICA, no acumulado da safra 2020/21 até 15 de junho, a moagem está em 186,58 milhões de toneladas, 8,8% acima na comparação anual. Devemos ficar nesta safra em 590 a 600 milhões de toneladas, contra as 590,4 da safra anterior, e um mix de entre 45% a 47% da cana para açúcar, contra 34,3% na anterior. Até o momento está em 46,17% para o açúcar, contra 33,94% da safra anterior. Já moemos um terço da cana existente.

Também estamos com ganhos de qualidade na concentração de Açúcares Totais Recuperáveis (ATR), com 128,75 kg por tonelada, quase 6,17% acima da safra 2019/20 (125,6 kg/t).

Em maio, as exportações do complexo sucroalcooleiro aumentaram 60,8% em relação a maio do ano anterior, atingindo volume de US$ 826,21 milhões. Talvez seja a melhor notícia deste relatório.

E o RenovaBio teve sua primeira transação já feita, o pioneirismo da Datagro e da Adecoagro, e está aí para crescer. Houve também em junho manifestações dos produtores de cana, milho, palma e soja para que participem dos resultados dos créditos de descarbonização (CBios), o que faz todo o sentido, uma vez que é um programa de cadeia produtiva.

Archer estima o endividamento do setor em 111,3 bilhões de reais, com média de R$ 173 por tonelada de cana moída. Muito alto, mas pelo menos pós pandemia quando voltar a confiança, mais barato para rolar com a taxa de juros atual.

Sobre as empresas do setor, temos algumas notícias. O Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) encerrou seu ano fiscal com lucro de R$ 19,4 milhões com destaque para o crescimento do faturamento em mais de 30% e o EBITDA 94% maior, graças ao aumento dos usuários e da área plantada, agora em cerca de 1,7 milhão de hectares (18% da área de cana no Brasil). Já são mais de 10 mil ha com variedades transgênicas.

A Copersucar anunciou os resultados do período 2019/20. Representa atualmente 34 usinas de 20 grupos, e teve lucro de 136 milhões de reais em um faturamento de R$ 30,1 bilhões (5,1% maior), somando-se os resultados da EcoEnergy nos EUA. As sócias moeram 87,7 milhões de toneladas de cana-de-açúcar, 7,3% a mais, produzindo 5 bilhões de litros de etanol e 3,7 milhões de toneladas de açúcar, exportando praticamente a metade disto. Na safra 2020/21, cerca de 65 a 75% do açúcar já foi fixado. Vale ressaltar que o terminal da empresa em Santos tem exportado grãos também. A empresa recebeu R$ 3,05 bilhões relativo a precatórios vindos contra a política de preços do antigo IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool) nas décadas de 1980 e 1990. Este recurso será distribuído para cerca de 70 usinas, sendo que parte delas já antecipou estes recebimentos de agentes do sistema financeiro.

A São Martinho fechou a safra 19/20 com lucro recorde de R$ 639 milhões ante a uma receita líquida de R$ 2,2 bilhões, margem EBITDA de 45,3%. Houve também aumento do endividamento, graças a desvalorização do real, para R$ 2,88 bilhões. Deve moer em 2020/21 cerca de 23,2 milhões de toneladas de cana, crescimento de 2,5%. Produtividade nesta safra está maior, ao redor de 83 toneladas/ha.

A Cerradinho Bio anunciou os resultados da safra 2019/20, com lucro de R$ 108,4 milhões. Processou mais de 5,2 milhões de toneladas de cana, crescimento de 9,3%. A produção foi de 430 milhões de litros de etanol de cana, e com cinco meses, 71 milhões de litros vindos do milho. O faturamento total foi de R$ 1,17 bilhão com EBITDA de quase R$ 495 milhões (margem de 42%). A expectativa nesta safra é chegar a quase 200 milhões de litros vindos do milho.

No açúcar… a Organização Internacional do Açúcar (OIA) estima na safra 2019/20 um déficit global de 9,3 milhões de toneladas, vindos de uma produção estimada de 166,8 milhões de toneladas (4,4% menor) e consumo de 176,1 milhões de toneladas, alta de 1,3%, mas sem considerar os efeitos do Covid-19. E na safra 2020/21, prevê um déficit de 6,9 milhões de toneladas. Precisamos refletir aqui que não estão sendo considerados os efeitos do Covid-19 no consumo e, ainda, a produção maior anunciada pela Índia. Nesta temporada devem produzir 27,2 milhões de toneladas, e na que se inicia em 1° de outubro, pular para 30,5 milhões de toneladas. Com isso, o governo deve subsidiar exportações e tombar o mercado internacional. No fechamento da coluna havia notícia de ataques de gafanhotos em áreas produtivas, mas ainda sem informações de impactos.

Já a FCStone acredita em déficit bem menor em 2019/20, de 3,1 milhões de toneladas (64% menor que na sua última projeção) pelo aumento do mix açucareiro no Brasil e os impactos da pandemia no consumo. A produção seria de 180,8 milhões de toneladas e o consumo cairia para 183,9 milhões de toneladas. Para 2020/21 preveem produção de 185,3 milhões de toneladas, consumo de 184,8 milhões de toneladas e por consequência, um déficit de 500 mil toneladas.

Nesta safra (1° de abril a 15 de junho) já produzimos 10,6 milhões de toneladas, quase 4 milhões a mais que igual período de 2019/20. A FCStone projeta a produção de açúcar no Centro-Sul em 37,4 milhões de toneladas, quase 40% ou 10 milhões de toneladas a mais. Interessante é que a projeção anterior era de 33,1 milhões de toneladas. Projeta, ainda, exportações de 29,1 milhões de toneladas, aumento de 63%.

 

Em junho, em média, o açúcar esteve 6% mais barato que no mesmo mês do ano passado, em dólar. Como tivemos ampla desvalorização do real, pode-se perceber o melhor resultado e a decisão açucareira da safra. Segundo o CEPEA, o açúcar para o mercado interno também tem preços melhores neste ano que no mesmo período do ano passado. Na primeira quinzena de junho estava em R$ 76,00 por saca de 50 kg, contra R$ 66,4 em 2019.

Segundo a Archer, as empresas que fixaram açúcar neste período para as próximas safras conseguiram os seguintes preços médios: quase R$ 1,500/t para o final da 20/21, R$ 1,478/t para a 21/22 e R$ 1,458/t para a 22/23. Da safra 20/21, a empresa estima que praticamente 90% já foi fixado (21,1 milhões das 23,5 milhões que serão exportadas), a um valor médio de R$ 1,305 por tonelada FOB Santos (incluindo pol). Ressalta-se que no ano passado o valor era de R$ 1,163/t. No fechamento desta coluna os preços em reais por dólar da tonelada de açúcar estão em R$ 1.480, R$ 1.496 e R$ 1.480 para as safras de 20/21, 21/22 e 22/23, respectivamente.

De janeiro a maio as exportações de açúcar foram de 8,5 milhões de toneladas, 43% superiores ao mesmo período do ano passado. As exportações de junho foram excepcionais, de 3,004 milhões de toneladas (considerando açúcares e melaços). Este volume foi 95% maior que junho de 2019. O valor arrecadado foi de US$ 812,65 milhões, quase 6% acima do valor de maio e 80% maior que junho do ano passado.

No etanol…a linha de R$ 3 bilhões para financiar estoques pelo BNDES saiu e está à disposição do setor. Pode ser que nem seja integralmente usado, devido à recuperação de preços. A taxa é ao redor de 2,5%, que faz com que o custo total chegue entre 6 a 7%.

Aprovada a venda direta de etanol hidratado para os postos de combustíveis. Segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) até outubro deste ano estará pronta a regulamentação. Outra noticia boa é a volta do consumo do etanol de milho nos EUA, com a flexibilização do isolamento.

A FCStone projeta produção de etanol em 28,1 bilhões de litros (somando-se a cana e milho), sensivelmente menor que a de 30,6 bilhões na projeção de março. Projetam a produção de etanol de milho no Brasil neste ano em 2,3 bilhões de litros, aumento de 40%. A produção de etanol de milho também está 73% acima do ano passado chegando a 350,76 milhões de litros.

O relatório da UNICA mostrou que na primeira quinzena de junho as vendas de etanol das usinas do Centro-Sul foram 10,50% (1,18 bilhão de litros) menores que na quinzena de 2019 (1,31 bilhão de litros). Desde o início desta safra estamos quase 25% abaixo, com 5,15 bilhões de litros. A maior exportação compensou um pouco a queda. No hidratado, a queda foi de 915,23 milhões de litros para 735,79 milhões de litros (19,6%) e no anidro uma queda de 10% (355,92 milhões de litros para 317,71 milhões de litros). Resultados da política de isolamento.

Segundo o CEPEA, no início de junho, os preços do hidratado nas usinas, sem impostos, estavam em R$ 1,675 o litro, 3,53% superior ao mesmo período do ano passado. O litro do hidratado, com impostos, pelo levantamento diário da SCA estava em R$ 1,98 no fechamento desta coluna.

Recente estudo do Dr. Claudinei Andreoli, presidente da Techbio Consultoria (com dados das Notas de Eficiência Energético-Ambiental [NEEA], referentes às médias das usinas no programa RenovaBio) traz números um pouco distintos dos que normalmente são usados na mensuração das emissões do etanol. São números que variam muito de acordo com os critérios utilizados e, neste estudo, a intensidade de carbono [IC] do etanol foi de 26,92 gCO2eq./M, e a IC da gasolina de 87,40 gCO2eq./MJ. Portanto, o etanol reduziu as emissões de CO2eq em 69,2% em relação à gasolina. Pode-se afirmar que o etanol emite 30,8% de GEE em relação à gasolina, o que representa, aproximadamente, 1/3 em relação à gasolina. São números mais altos, mas ainda significativamente favoráveis ao etanol.

Mesmo assim, o etanol de cana é considerado um combustível avançado pela RFS. Em termo comparativo, o etanol de milho, segundo dados do USDA (2017), reduz as emissões em 41%, em relação à gasolina. Isso significa que o etanol de cana é 68,8% mais sustentável do que o etanol de milho. Entretanto, em termos do mercado de carbono, o RIN americano vale $0,25 ($0,10 a $0,48) [equivalente a 3,785 L de etanol] e o CBIO $10,00 [equivalente à 1 t de CO2e ou 742 L de etanol], ou seja, o CBIO vale 12,26% em relação ao valor do RIN. Na Califórnia, no programa LCFS, uma tonelada de CO2 vale $207,00. Mas este valor do CBio ainda não se verificou.

Boas novidades criadas pela Embrapa, pelo Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) e pelo Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) podem ajudar mais na viabilidade do etanol celulósico. São micro-organismos geneticamente modificados (fungos, enzimas e outros) que auxiliam no processamento da biomassa e transformação em sacarose. Hoje se utilizam importadas, e isto deve trazer maior competitividade.

Para concluir, os cinco principais fatos para acompanhar agora em julho na cadeia da cana:

    1. A política de isolamento e impactos no consumo de combustíveis no Brasil. Principalmente a velocidade de recuperação do consumo de hidratado em julho.
    2. Acompanhar os impactos do coronavírus no consumo mundial do açúcar e nos preços do petróleo, principalmente. Ao fechar a coluna o barril do petróleo tipo Brent estava em US$ 42 e o açúcar a cerca de 11,84 cents/libra peso.
    3. O clima e o andamento da safra de cana no Brasil, e se teremos impactos com as restrições operacionais colocados pela crise do coronavírus. Por enquanto a safra vem vindo muito bem.
    4. O andamento da safra de açúcar no hemisfério norte e o déficit na produção advindo das quebras.
    5. O comportamento das exportações de açúcar do Brasil, que vêm surpreendendo as melhores apostas.

Minha previsão hoje para o fechamento do valor do ATR (valor médio safra 2020/21): RS$ 0,707/kg


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