O país desconhece a situação de mais de 90% das espécies pescadas, revela Auditoria da Pesca 2021

 

Mesmo diante de um cenário de crise, a pesca tem sido desprezada como fonte de emprego, renda e segurança alimentar. Os “alimentos azuis”, que têm sua origem no ambiente aquático, como oceanos, rios e lagos, dependem da pesca para chegar aos pratos da população. A falta de uma gestão eficiente dessa atividade coloca em risco a fonte de renda e alimentação de milhões de brasileiros.

A Auditoria da Pesca 2021 revela que pouco mudou depois de um ano da primeira análise realizada pela organização não governamental, sem fins lucrativos, Oceana. Dos 117 estoques pesqueiros que são alvo da pesca comercial marinha, apenas 8 possuem sua situação conhecida.

O Brasil continua atrasado tanto no desenvolvimento quanto na implementação de políticas públicas de pesca sustentável, com elevado risco de que estoques de espécies importantes não suportem a exploração nos moldes atuais.

Em sua segunda edição, a Auditoria da Pesca traz conclusões como essa ao traçar um panorama sobre o setor à luz da avaliação de 22 indicadores, configurando-se como um aprofundado estudo sobre a governança, os estoques e as pescarias comerciais no Brasil.

“Quando olhamos para o quadro de insegurança alimentar no Brasil e, por outro lado, para o enorme potencial de produção dos chamados ’alimentos azuis’, encontramos um cenário de alto risco, resultado da precariedade do ordenamento da pesca no país, que não só deixou de evoluir nos últimos anos, mas ainda regrediu em alguns aspectos, como na transparência e no ordenamento pesqueiro”, avalia Martin Dias, diretor-científico da Oceana Brasil.

“Sem uma modernização da política pesqueira nacional, a tendência é seguir com pequenos avanços intercalados por grandes retrocessos, perpetuando um ciclo vicioso que é prejudicial tanto sob a ótica econômico-social quanto ambiental”, complementa.

Segundo Dias, o contexto é ainda mais preocupante nas regiões Norte e Nordeste, que além de apresentarem maiores deficiências no ordenamento e monitoramento da pesca, são as que possuem populações costeiras com maior dependência da atividade pesqueira, seja como fonte de alimento ou como fonte de renda.

 

Principais resultados – Os resultados da Auditoria da Pesca 2021 apontam que um número insignificante de estoques (apenas 8, de um total de 117) tem seu status conhecido, sendo impossível identificar um quadro geral sobre as situações de pesca excessiva (sobrepesca), o que compromete a capacidade da autoridade pesqueira de equilibrar o uso e a conservação dos recursos pesqueiros.

Limites de captura são ferramentas importantes para manter a produção em níveis sustentáveis, e poderiam ser estabelecidos mesmo em situações de pouca disponibilidade de dados. No entanto, tal medida não é adotada para quase nenhuma das espécies marinhas exploradas. A maior parte dos estoques pesqueiros, (96%) não tem Planos de Gestão, o que tende a gerar medidas desconectadas de um planejamento de longo prazo e, portanto, com pouca ou quase nenhuma eficácia.

O quadro geral do ordenamento pesqueiro conta até o momento com normas ultrapassadas e a Lei da Pesca (Lei Federal nº 11.959/2009) é incapaz de promover o desenvolvimento sustentável dessa atividade, sobretudo em decorrência das fragilidades nas suas definições, da ausência de princípios importantes e pela não definição de atribuições e responsabilidades da autoridade pesqueira, gerando um quadro de instabilidade. A ausência de um marco legal eficiente enfraquece a política que deveria servir como guia de como a gestão pesqueira deve se dar.

Outra constatação alarmante é a ausência dos fóruns de participação social de gestão pesqueira, os Comitês Permanentes de Gestão da Pesca e do Uso Sustentável dos Recursos Pesqueiros (CPGs), previstos em um ato do atual órgão gestor da atividade, a Secretaria de Aquicultura e Pesca do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (SAP/Mapa), porém ainda não implementados.

 

Outros dados:

  • Dos 117 estoques pesqueiros analisados no estudo, apenas 8 (7%) têm seu status conhecido. Desses, 4 estão sobrepescados (população abaixo dos níveis seguros, do ponto de vista biológico) e 2 estão explorados em níveis acima da capacidade de reposição natural, gerando declínio na sua abundância.
  • Apenas 9% dos estoques explorados comercialmente no Brasil possuem planos de gestão, ao passo que somente 4% dos recursos pescados possuem um limite de captura definido.
  • A tainha é a única espécie das 117 que conta com um limite de captura definido pelo governo e elaborado a partir de dados científicos. As demais espécies que possuem limites de captura têm esses mecanismos estabelecidos por organizações internacionais.
  • Das 48 pescarias (práticas de pesca comercial em vigor, levando em conta o método de pesca, espécies-alvo e áreas de operação) avaliadas, 90% (o que equivale a 43 pescarias) possuem alguma medida de ordenamento vigente, sendo que 38% delas (18 pescarias) são submetidas a um ordenamento apenas parcial, isto é, estão submetidas a medidas genéricas de controle.
  • Apenas 12% (o equivalente a 6) das pescarias brasileiras estão submetidas a medidas capazes de reduzir a captura de todas as espécies consideradas “capturas incidentais”, revelando que a gestão dos “efeitos colaterais” da pesca tem recebido pouca atenção dos gestores.

Os monitoramentos de desembarque existentes abrangem somente as regiões Sudeste e Sul, o que corresponde a uma cobertura de apenas 50% das pescarias analisadas e explica a falta de dados de pesca no país.

Acesse aqui o relatório

Fundada em 2001 e presente no Brasil desde 2014, a Oceana é a maior organização não governamental, sem fins lucrativos, focada exclusivamente na defesa dos oceanos. Atua em 11 países e na União Europeia com o objetivo de proteger a biodiversidade marinha e aumentar a abundância dos oceanos por meio de campanhas cientificamente embasadas, que já resultaram em mais de 225 vitórias em todo o mundo.

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