Avanço qualitativo do setor em direção a produtos e mercados de maior valor agregado vai exigir mais ações de marketing que turbinem a mudança. Pequenos e médios produtores devem apostar na diferenciação como questão de sobrevivência

O agronegócio brasileiro é um caso de sucesso, embora ainda muito escorado nas commodities – o que não é ruim –, mas precisa avançar em produtos de maior valor agregado se quiser participar de modo mais intenso e competitivo do comércio mundial.

Só para se ter ideia da nossa dependência dos produtos básicos, as commodities representam em torno de 50% da receita das exportações, a maior participação desde 1978, quando o Brasil ainda era importador de alimentos.

A realidade é que, internacionalmente, o produto brasileiro precisa avançar para a gôndola do supermercado. Até agora, com raras exceções, o Brasil só chega até o porto do importador.

De acordo com especialistas, integrar-se às cadeias globais de valor, verticalizando o alcance e a autonomia sobre o negócio desde o campo até a mesa do consumidor, tem que ser obrigatoriamente a próxima etapa da agenda do setor.

Daniel Baptistella, presidente da Associação Brasileira de Marketing Rural & Agronegócio (ABMR&A).

E a evolução qualitativa do agronegócio exigirá cada vez mais investimentos em comunicação, marketing, publicidade e propaganda que turbinem esta mudança. “O marketing é fundamental para o agro se diferenciar e agregar valor”, sentencia Daniel Baptistella, presidente da Associação Brasileira de Marketing Rural & Agronegócio (ABMR&A).

Atualmente, porém, o agro só tem 0,18% do volume total de investimentos em publicidade, segundo a pesquisa do Ibope Monitor – a mais recente sobre o assunto –, volume que no primeiro semestre de 2013 somou R$ 57,7 bilhões. Uma ressalva é que o levantamento desconsidera as ações realizadas pela indústria da transformação ligadas ao agro, mas mesmo assim o investimento do setor em propaganda é muito pouco.

De acordo com José Luiz Tejon, professor do Núcleo de Estudos do Agronegócio da Escola Superior de Propaganda e

Marketing (ESPM), autor do livro Marketing & Agronegócio, para avançar no seu processo de “descomoditização”, o agro precisa investir mais em marketing. “O comum não é desejado, fica invisível e desaparece da percepção. O que não é percebido não existe, logo não consegue ser valorado e remunerado”, diz.

Para Coriolano Xavier, também professor da ESPM, membro do Conselho Científico para Agricultura Sustentável (CCAS) e coautor do livro Marketing & Agronegócio, sem diferenciação, sem percepção de valor agregado, qualquer produto ou serviço fica restrito à sua funcionalidade intrínseca.

“Com as ofertas do agro acontece o mesmo. O que quebra esse ‘standard’ na cabeça das pessoas é o marketing, fazendo com que sabores, propriedades, design, conveniência, benefícios funcionais de saúde, segurança de origem e tantos outros se tornem visíveis aos olhos do mercado”, destaca, acrescentando que é o marketing que “efetivamente diferencia e dá singularidade a produtos, marcas, categorias e até mesmo regiões produtoras”, como, por exemplo, no caso da indicação geográfica.

Coriolano Xavier, professor da ESPM, membro do Conselho Científico para Agricultura Sustentável (CCAS).

Na avaliação de Eduardo Eugênio Spers, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP) e coordenador do Grupo de Pesquisa e Extensão em Marketing da Universidade (MarkEsalq), o agro brasileiro ainda engatinha nos dois principais flancos do marketing que têm encaixe no setor. “Além da questão da ‘descomoditização’, que está mais ligada a esforços individuais de marca, falta também o que eu chamo de ‘commodity advertising’, que é trabalhar o marketing de uma cadeia produtiva do agro”, assinala.

“Tivemos alguns bons exemplos, como as iniciativas ‘I feel orange’ e ‘Brazilian Beef’ no exterior, e o ‘etanol completão’ por aqui, porém é preciso muito mais”, pondera.

Na trilha do marketing – Segundo os especialistas, para despertar o produtor rural brasileiro, especialmente o pequeno e o médio, para a importância do marketing como fator-chave para a sobrevivência dos negócios é preciso levar a eles bons exemplos.

Baptistella acentua que o pequeno agricultor, por exemplo, tem uma limitação de escala, mas tem a oportunidade de trabalhar com produtos diferenciados e de maior valor agregado. “Esse é o caminho.”

O sojicultor norte-americano é concorrente do brasileiro, e a American Soybean Association (ASA) investe navios de dinheiro em marketing, promovendo e diferenciando a soja dos EUA em todo o mundo, conta Xavier.

“O café brasileiro perdeu sua hegemonia no mercado internacional para o colombiano por conta de um criativo e bem articulado projeto de marketing, cujo personagem central – ‘Juan Valdez’ – ganhou fama ao redor do mundo.” Spers frisa, ainda, que se trata também de uma questão de visão estratégica. “O marketing do café colombiano é fruto de contribuição compulsória, então a associação local é capitalizada.”

José Luiz Tejon, professor do Núcleo de Estudos do Agronegócio da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

De acordo com Tejon, o produtor pode começar, individualmente, a investir em marketing por meio de nichos, segmentando produtos e canais de distribuição.

“Há uma preferência do consumidor moderno, por exemplo, pelo que é artesanal, em questões ligadas a atributos mercadológicos intangíveis, mas que são diferenciais, como ‘local food’, ‘food miles’, ‘fair trade’ e orgânicos, entre outros”, explica Spers.

Já no caso de atividades que têm negócios atrelados a escalas maiores, afirma Tejon, será preciso articular as ações via cooperativas ou associações.

Na opinião de Xavier, selos e certificações são uma boa estratégia de marketing. “Mas antes de tudo, é importante o produtor conhecer sua realidade, seu produto, mercado, quais as características que o consumidor mais valoriza etc.”

E além disso, reforça, se possível, investir numa marca: “Sem ela o marketing não se expressa plenamente”.

 

Diálogo estratégico

 A comunicação do agronegócio com as cidades precisa melhorar

Eduardo Eugênio Spers, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP) e coordenador do Grupo de Pesquisa e Extensão em Marketing da Universidade (MarkEsalq)

88% dos brasileiros reconhecem o papel do agricultor como fornecedor de alimentos, e 90% dizem respeitá-lo. Todavia 85% não entendem os inúmeros desafios da atividade agropecuária. Esses são alguns dos resultados do levantamento “Farm Perspective Study”, encomendado pela Basf e divulgado em 2014.

Um dos grandes gargalos do agro é, ainda, melhorar o diálogo com o meio urbano, já que a sociedade passou a cobrar do setor muito mais do que os ganhos econômicos.

O apoio das cidades ao agro é um ganho político-econômico estratégico para o segmento, que, se for mais bem reconhecido, melhorará sua imagem e reputação, fortalecendo seu “goodwill” (boa vontade) junto à população urbana, camada da sociedade que tem mais peso para influenciar políticas públicas e negócios.

“O Brasil vota, e o voto é a nova moeda da governança, por isso é importante o agro ser reconhecido”, afirma Tejon (ESPM), acrescentando que “é fundamental aumentar o diálogo com a sociedade sobre desmatamento, agrotóxicos, transgênicos etc.”

O agro carrega 500 anos de história nas costas, diz Luiz Fernando Sá, diretor editorial-adjunto da Editora Três, numa imagem que ficou maculada. “É hora de investir mais na comunicação direta com o consumidor.”

Para Heródoto Barbeiro, jornalista da Record News, os livros didáticos trazem uma visão distorcida da agricultura. “A comunicação do setor tem que começar na escola”, recomenda. Para Baptistella (ABMR&A), é fundamental que a sociedade urbana tenha visão clara do agro, para ter nele um parceiro estratégico e por consequência apoiá-lo em suas demandas nacionais ou internacionais. “Como o agro quer ser visto? E não como ele é visto. Falta uma estratégia de longo prazo para mudar este raciocínio. O Sou Agro foi interessante, mas é preciso mais”, completa Spers [Esalq/USP].

 

 

Diferenciais

 Identidade geográfica pode fazer a diferença competitiva

O presunto cru “Pata Negra” da Espanha, a tequila mexicana, os charutos cubanos, o pisco peruano ou chileno, o vinho do “Porto” de Portugal, o presunto e queijo “parmesão” da província de Parma na Itália.

Em território brasileiro, o arroz do litoral norte gaúcho; o cacau em amêndoas de Linhares (ES); as cachaças de Paraty (RJ) e Salinas (MG); o café do cerrado mineiro, da Serra da Mantiqueira (MG) e do norte paranaense; o camarão da “Costa Negra” (CE); a carne bovina do pampa gaúcho (RS); e os queijos do Serro e da Canastra, ambos em Minas Gerais.

O que todos estes produtos têm em comum? Eles são reconhecidos por sua identidade geográfica (IG), certificação que leva em conta características naturais ou humanas do território de origem ou do processo de fabricação, com foco na qualidade e tipicidade do produto como fatores de diferenciação.

São produtos com identidade e valor próprios e únicos, com atributos exclusivos em função de recursos naturais, clima, solo, modo de fazer, fatores culturais e relacionados a tradições.

“A IG, assim como as marcas e os nomes comerciais, tem como objetivo diferenciar os produtos e indicar a sua origem comercial ou geográfica. Por agregar valor ao produto, pode propiciar o desenvolvimento local gerando renda adicional ao produtor rural”, afirma Geni Satiko Sato, pesquisadora do Instituto de Economia Agrícola (IEA), vinculado à Secretaria de Agricultura de São Paulo.

Um exemplo clássico de produto certificado com IG vem da França. O vinho espumante produzido na região de Champagne-Ardenne passou a ser sinônimo desta bebida em vários países do mundo.

No entanto, em 1927, foi reconhecida a primeira Appellation d’Origine Contrôlée (AOC) – denominação de origem controlada –, que serviu como base para a implantação do sistema de controle da origem de vinhos na França e no mundo. Desta forma, o nome “champagne” é uma AOC, a mais rigorosa denominação de origem utilizada na França, e só pode ser utilizado para os vinhos produzidos naquela específica região. Na prática, a IG traz benefícios ao consumidor e ao produtor, já que, ao certificar a origem de um determinado produto, impede – ao menos na teoria – que outras pessoas utilizem de maneira indevida o nome da região em produtos que não têm legitimidade para obtenção do selo. Ou seja, a IG reconhece características específicas de um determinado produto que não podem ser reproduzidas em qualquer outro lugar a não ser o seu local de origem.

No Brasil, a IG é concedida pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Hoje 37 produtos têm IGs no Brasil. No entanto ainda há muito trabalho a ser realizado nesta área, pois países europeus, como a França, têm mais de 500 selos distintivos de qualidade.