Padrão brasileiro certificará áreas de diferentes portes para geração de créditos de carbono, atendendo às especificações da biodiversidade brasileira. Empresas brasileiras promoverão a inclusão e democratização do mercado de carbono

Diante da crescente necessidade de buscar ações para a mitigação das emissões dos gases de efeito estufa, e das discussões da crise climática em escala global em torno da 27ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 27) – uma das maiores conferências internacionais que discute o clima do planeta, que iniciou no último dia 6, e se estenderá até o dia 18 deste mês, no Egito – o mercado de carbono torna-se um dos temas centrais do momento atual.

E, quando se fala hoje em mercado de carbono, automaticamente é associado à ideia de beneficiar diretamente proprietários de áreas de grande porte, e escalar áreas de grandes extensões para geração de créditos de carbono, concentradas predominantemente no bioma amazônico. Áreas de pequeno porte, por sua vez, são desconsideradas como elegíveis para geração dos créditos nos moldes em que está o mercado hoje, excluindo pequenos e médios proprietários, e arranjos como da agricultura familiar, que fazem o uso do solo e dos demais recursos naturais de forma consciente, sem utilizar agrotóxicos e defensivos agrícolas, ou até mesmo pequenos proprietários de outros biomas do Brasil, que promovem a conservação da floresta em pé, mas que não são reconhecidos e valorizados por esses esforços.

Nessa perspectiva surge a necessidade da existência de modelos brasileiros capazes de atender a essa lacuna da falta de acesso ao mercado, e que contemplem as especificações da biodiversidade brasileira, e dos seus respectivos aspectos ecossistêmicos. A necessidade de desenvolver esses padrões foi levantada pelo professor titular da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), Carlos Eduardo Cerri, em um dos painéis que aconteceu na 1ª edição do Fórum Futuro do Agro, realizado na capital paulista no mês passado. “Uma boa parte dessas metodologias que existem, talvez tenham que ser ajustadas às nossas situações, onde usamos o termo de tropicalização. Chamamos de tropicalização algo que foi criado lá fora,  para que se adeque às nossas situações. Esquecemos que quem desenvolveu essas metodologias, que os outros usam lá fora, fomos nós aqui do Brasil. A primeira metodologia de determinação de carbono no solo, com isótopo, foi aqui em Piracicaba. Então é um exemplo, um orgulho, e agora estamos adaptando aquilo que os outros usam. Eles têm que temperalizar aquilo que foi desenvolvido aqui”, pontuou o docente no painel 5 do Fórum, que foi realizado pelo Globo Rural em parceria com o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora).

Partindo da premissa da famosa frase do sociólogo alemão Ulrich Beck, “pensar globalmente, agir localmente”, que significa “fazer a sua parte para impactar o todo”, é que pequenos e médios proprietários como Anie Gomez Nagamine, produtora rural e fruticultora, atuam como legítimos prestadores de serviços ambientais, uma vez que não calculam os esforços necessários para proteger as florestas. Com o objetivo de trabalhar com agricultura orgânica e biodinâmica, há um ano Anie fez a aquisição do Abraço da Floresta, uma área que compreende 3 hectares voltados para o plantio de pequenas frutas e 23 hectares de floresta intocada, localizada dentro da mata do Pouso Frio, no município de Dom Viçoso/MG. A produtora rural trabalha arduamente para proteger a floresta de caçadores, e recebe constantemente ameaças por inibir a caça no território – já chegou a fazer a retirada da floresta de vizinhos portando machados, e a ouvir de caçadores que eles iriam fazer a matança desenfreada de veados para comer.

Ela conta que, na região, há uma cultura enraizada para derrubada da floresta, e que isso a impulsionou para pesquisar possibilidades de angariar recursos a partir do conceito da floresta em pé. “Eles [os vizinhos] tinham esperança de que eu ensinasse o caminho para derrubar a floresta”, comentou. Mas, não foi a opção escolhida pela fruticultora.

Nagamine explica que a floresta do Pouso Frio só se manteve preservada porque é uma área que não compete com a agricultura, já que está localizada em uma face da Serra da Mantiqueira, que registra menor incidência de raios solares, mas que, ainda assim, é ameaçada pela prática criminosa da caça. Ela chegou a providenciar a instalação de placas na entrada de sua propriedade, mas não é suficiente para desencorajar o crime ambiental. Animais como a raposinha-do-campo (Lycalopex vetulus), que é uma espécie endêmica do Cerrado e está classificada como vulnerável à extinção na lista nacional do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), iraras (Eira barbara), jacus, onças, entre outras espécies são alguns dos registros de fauna já avistados na propriedade de Anie.

Mesmo diante de todas as dificuldades e pressões da caça, Nagamine procurou alternativas, até chegar a adesão ao mercado de créditos de carbono. “A manutenção de áreas verdes tem custos e, a possibilidade de receber pelos serviços ambientais prestados ajudará neste custeio, oferecendo um ponto de equilíbrio mais justo nesta relação”, observa.

Entre os custos desembolsados pelos proprietários de áreas de pequeno e médio porte para proteção de florestas, estão a manutenção das cercas, sistema de câmeras para coibir a caça, criação de brigada de incêndio, manutenção de aceiros, etc.

A valorização aos proprietários pela proteção das áreas verdes, segundo avaliação da produtora rural, pode acarretar inclusive em uma mudança cultural em relação à derrubada de árvores. “Existindo um contraponto, em que os pequenos e médios proprietários da comunidade tenham ganhos pelos serviços ambientais, a comunidade se movimentará para a preservação da floresta, pois haverá um retorno econômico. Práticas como queimadas e caça passarão a ser mal vistas”, analisa.

Foi com essa lacuna que empresas brasileiras como a desenvolvedora de projetos Conscience Carbon e a certificadora Caaobi surgiram no mercado brasileiro, com o propósito social de promover a inclusão e democratização ao mercado de carbono, uma vez que os atuais modelos de metodologias dos padrões de certificação não contemplam áreas de pequeno e médio porte – em razão do alto custo para o desenvolvimento de projetos e falta de financiamento para custeá-los -, e muitas vezes não são adaptadas aos biomas brasileiros. Embora as áreas de pequeno porte não estejam inseridas no mercado atual, é sabido que são áreas conhecidas pelo seu alto valor ecológico, e que sofrem constantes pressões antrópicas.

A importância de valorizar e reconhecer os esforços desses proprietários no papel que desempenham em conservar e preservar suas áreas protegidas já tem respaldo na legislação, e foram reconhecidas na COP 26, que aconteceu no ano passado em Glasgow, na Escócia. A partir de agora, qualquer área protegida se torna elegível para geração de créditos de carbono, o que beneficia diretamente o compromisso assumido pelo Brasil em reduzir seus gases poluentes em 50% até 2030. Já existe uma pressão do governo brasileiro – através de um mercado obrigatório de carbono no país -, para que alguns setores da economia reduzam as emissões de carbono, tendo em vista o compromisso firmado pelas autoridades brasileiras na última Conferência.

Diferentemente dos padrões internacionais que não contemplam todos os biomas brasileiros e propriedades, a certificadora brasileira Caaobi surge para incluir áreas de pequeno porte localizadas em qualquer bioma do Brasil como certificáveis e elegíveis para a geração de créditos de carbono. Presidente da organização e Doutor em Geografia pela Universidade de São Paulo (USP), Antonio Manoel dos Santos Oliveira detalha o que impulsionou a criação desse padrão de certificação. “A criação da Caaobi Certificadora, organização brasileira de nascimento, que certifica projetos do mercado de crédito de carbono, vem para enriquecer, com seu padrão, a dinâmica do mercado de carbono brasileiro que tem por fundamento as características dos biomas, comunidades, cidades e produtores rurais, próprias do país. A Caaobi certificadora incentiva as desenvolvedoras de projetos de carbono a considerarem as especificidades brasileiras em suas diversas paisagens, de norte a sul, como condicionantes dos seus estudos científicos para a certificação dos créditos de carbono, cuja perspectiva de mitigação das mudanças climáticas globais incorpore ações locais para alcançar os benefícios socioeconômicos e ambientais desejados para uma economia circular verde, adequada às diversas realidades regionais brasileiras”, explicou. Além da inclusão da agricultura familiar, a metodologia também contempla territórios de Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs), algo revolucionário no mercado de carbono.

É com a mesma missão, que a desenvolvedora de projetos Conscience Carbon surge também no mercado para desenvolver projetos para geração de créditos de carbono que contemplem áreas de pequeno, médio e grande porte, em todos os biomas brasileiros, valorizando as características das matas nativas brasileiras com toda sua biodiversidade existente. A desenvolvedora traz algo inédito: o custeio de todas as etapas dos projetos para geração de créditos de carbono em áreas de pequeno e médio porte. A desenvolvedora também desenvolverá projetos no setor do agronegócio, permitindo que proprietários rurais possam gerar créditos em áreas protegidas, resultando em uma nova “espécie” de safra – a “Safra de floresta em pé”.

“O pequeno e médio proprietário só fica com o ônus da conservação, e acaba não acessando o mercado. Quando você  faz o processo de inclusão de pequeno e médio proprietário no sistema de mercado de carbono, você promove a justiça climática, ambiental e social.  Contemplar as três justiças é o processo de inclusão em si”, frisa a presidenta da empresa e bióloga Ma. Adriana Oliveira.

A bióloga ainda reforça que um modelo de bioeconomia prevê o processo de inclusão desses pequenos proprietários. “Rentabilizar no mercado de carbono somente áreas grandes, superiores a 10 mil hectares, por exemplo, não cria uma economia circular, mas sim centralizada na mão de poucos. O olhar social com base na inclusão e democratização traz uma revolução no mercado”, finaliza. Além de desenvolver projetos, a empresa também atuará na gestão e comercialização dos créditos de carbono.