Invasão da TI e pedidos de registro de CAR chegam a 94% do território, sendo um terço com mais de 1000 hectares

Enquanto muitos ficam em casa em respeito às medidas de isolamento social recomendadas pelos órgãos de saúde, invasores continuam destruindo a floresta amazônica e condenando ao extermínio aqueles que cuidam da biodiversidade e, por consequência, da saúde planetária. Um exemplo dessa destruição é o que ocorre na Terra Indígena (TI) Ituna-Itatá, como apontado em um estudo de caso divulgado hoje pelo Greenpeace.

Conhecida por ser a TI mais desmatada em 2019, segundo dados do PRODES, registrou entre agosto de 2018 e julho de 2019, impressionantes 119,9 Km² (equivalente a mais de 115 mil campos de futebol) desmatados, o que representa quase 30% do desmatamento de todas as terras indígenas na Amazônia neste período. Em 2020, a TI continua na triste liderança e a floresta continua sendo duramente desmatada, mesmo no período chuvoso, quando, em geral, o índice é bem menor ou inexistente. Somente nos quatro primeiros meses deste ano na Amazônia, já foram identificados 5.666 km² de desmatamento, contra 2.914 km² no mesmo período do ano passado, de acordo com o DETER/ PRODES, o que representa um aumento de 94%.

Com a presença comprovada de indígenas isolados, a TI foi interditada pela FUNAI, ou seja, é uma área sob restrição de ingresso, onde é proibida locomoção e permanência de pessoas estranhas aos quadros do órgão. Isso, no entanto, não ocorre na prática. Ao invés de ser demarcada, a região que constitui a terra indígena tem sido loteada para virar pasto para a pecuária.
“Ituna-Itatá é um caso emblemático da agenda anti indígena do governo Bolsonaro: se os grileiros forem vitoriosos e conseguirem evitar a identificação do grupo isolado e consequentemente a demarcação do território, será aberto um precedente capaz de promover o extermínio dos mais de 100 grupos sob a mesma condição no Brasil”, explica Adriana Charoux, da campanha de Amazônia do Greenpeace.

© Greenpeace

Após uma série de cruzamento de dados, o Greenpeace identificou que a Ituna-Itatá foi palco para triangulação de gado e lavagem de madeira. Embora protegida por lei, a TI tem 94% da área registrada por produtores no Cadastro Ambiental Rural (CAR), registros que têm sido utilizados também como instrumento de grilagem de terras públicas. O Greenpeace Brasil identificou que um terço desses CARs corresponde a áreas de mais de 1000 hectares, ou seja, os verdadeiros beneficiários dessas invasões são grandes proprietários e grileiros de terra, focados na especulação imobiliária.

Alguns desses cadastros está, inclusive, em nome de produtores que repassam animais para fornecedores diretos que comercializam animais com os maiores frigoríficos do país, sendo que alguns são signatários do compromisso Público com o Desmatamento Zero, como Marfrig, Frigol e JBS. Esse é o caso, por exemplo, dos 2 CARs registrados em nome de um pecuarista, em 2015, quatro anos depois da interdição da área, que comercializou animais para outra fazenda, que é fornecedora desses grandes frigoríficos. Ou seja, um gado que nasceu ou transitou após a cria em fazendas com desmatamento e no momento de seu abate é fornecido por uma fazenda “ficha limpa”, sem histórico de irregularidade, escondendo o rastro de destruição, ocultado por conta do ciclo final de fornecimento ter sido “lavado”. Isso acaba podendo contaminar toda a cadeia de abastecimento e chegando até a mesa do consumidor do Brasil e de outros países.

Outra irregularidade praticada na Ituna-Itatá é o licenciamento para o plano de manejo florestal concedido pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMAS-PA) para a extração de madeira. Em 2016, um fazendeiro conseguiu o licenciamento, sem que a SEMA constatasse a sobreposição com área interditada, mesmo que a licença tenha sido expedida cinco anos após a interdição da TI.

As ilegalidades identificadas em Ituna-Itatá ganham ar de legitimidade com as medidas recentes do governo, como a Instrução Normativa 09 e a Medida Provisória 910/2019. “Já que a IN acaba por também reconhecer os limites de posses privadas em oposição aos direitos indígenas sobre territórios em processo de reconhecimento, e a MP 910 além de anistiar e facilitar a titulação de médias e grandes invasões até 2018, passa a mensagem aos que lucram invadindo terras que esse tipo de crime compensa, porque em algum momento novas invasões podem ser novamente regularizadas”, afirma Adriana.

“A situação da Ituna-Itatá é uma tradução extrema do quanto as declarações de Bolsonaro sobre o desejo de rever terras indígenas e de não demarcar novos territórios têm impulsionado uma onda de grilagem sob áreas chave para a sobrevivência de povos indígenas, para a preservação da floresta Amazônica, sua biodiversidade e para a contenção da emergência climática que já está afetando a população, particularmente os mais pobres”, finaliza Charoux.


Na foto, Ituna – Sobrevoo pela Amazônia 2019 no estado do Pará © Fábio Nascimento / Greenpeace.


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