Agricultores e pecuaristas do Brasil contam com uma imensa reserva de matérias-primas acima do solo: palha, folha, celulose, fezes de animais, de aves… tudo isso pode ser facilmente transformado em energia para a propriedade, pode gerar renda e ainda ajudar o país a reduzir a emissão de poluentes

“Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. A frase é de Antoine Laurent de Lavoisier, químico francês que viveu de 1743 a 1794. Mais de dois séculos depois de sua morte, o ser humano ainda está descobrindo que é possível converter em “riqueza” produtos da natureza que antes eram considerados inúteis ou entulhos, por serem restos ou apenas dejetos.

Mas, como diz o ditado, “antes tarde do que nunca”. Pois bem, as novas descobertas estão chegando e proporcionarão benefícios aos proprietários rurais. No futuro próximo o pecuarista não viverá apenas da carne e/ou do leite de seus rebanhos; o agricultor também terá outras opções de renda além da venda dos grãos, cana e outros cultivares.

E não será preciso realizar muito mais trabalho para obter resultado, pois as fontes já estão disponíveis e ao seu alcance. São materiais que podem ser transformados em gás, eletricidade, fertilizantes e outros produtos, gerando ganhos adicionais.

Palhas, folhas, frutos; madeira (celulose); fezes de animais e aves; restos de alimentos, dentre outros elementos são “combustíveis” para geração de bioenergia e agroenergia. O vento e o sol são outras fontes energéticas. Mas, nessa matéria vamos focar nos meios atualmente mais ao alcance do produtor rural.

“No Brasil existe oportunidade de aproveitamento de diferentes fontes de biomassa para fins energéticos por causa de suas condições naturais: solo fértil e sol. Nesse sentido, o país reúne as condições para se tornar potência, de forma expressiva”, garante Plínio Nastari, diretor da Datagro, empresa especializada em produtos do agronegócio, incluindo açúcar, etanol, biocombustíveis e agroenergia.

No segmento sucroalcooleiro, a bioeletricidade de cana é uma realidade. Tornou-se uma unidade de negócios da usina, além do açúcar e do etanol. Elas produzem energia para consumo próprio e comercializam o excedente. “Atualmente o setor está colocando na rede 14,5 mil giga watt-hora (GHh), revela Plínio Nastari. Mas, o empresário admite que isso é apenas uma quinta parte do potencial para produção.

A verdadeira expansão ocorrerá quando a tarifa de remuneração do setor chegar a pelo menos R$ 300 por megawatt-hora (atualmente é de R$ 230), compensando o investimento na produção de energia a partir da palha da cana. “Essa é uma possibilidade real, pois a tarifa do MWh para energia do gás tem custo de R$ 400; e do óleo diesel oscila entre R$ 800 e R$ 1.100”, informa Plínio Nastari.

Outra diferença competitiva ocorre no montante de investimentos no sistema de transmissão, quesito em que a bioeletricidade leva vantagem, pois as usinas sucroalcooleiras estão situadas nas proximidades de centros urbanos (consumidores), enquanto as outras fontes ficam distantes.

Madeira, folhas, esterco… | À medida que os empresários do ramo sucroalcooleiro (também já chamado de sucroenergético) estudam os próximos passos, outros investidores se preparam para construir usinas de biomassa para produção de energia utilizando como matéria-prima árvores e outros produtos (leia box “Madeira para geração de energia”) e ONGs e empresas criam biodigestores caseiros de onde sai biogás (de esterco e restos de alimento) para o fogão de centenas de famílias de trabalhadores rurais, e têm plano para produzir também bioeletricidade (Box “Tudo se transforma”).

A energia de biomassa tem ainda muito espaço e potencial expandir a produção no Brasil. Nesse caso, as árvores são 100% aproveitáveis. Plínio Nastari sugere a bioenergia como solução energética mais econômica e menos poluente para algumas regiões com grande quantidade de matéria-prima. “Não faz sentido transportar óleo diesel para gerar energia no Amazonas, quando há alternativa mais eficiente e barata no local” salienta o consultor.

Fontes de renda | As novas práticas para produção de energia aumentarão as oportunidades de negócio para o proprietário rural. Os subprodutos de sua atividade principal serão ricas fontes para outras finalidades, como produção de etanol, biodiesel, biogás, fertilizantes, eletricidade…

Os agropecuaristas poderão comercializar, por exemplo, palha de arroz, trigo, milho; folhas e madeiras e lenhas em geral (de florestas plantadas); estercos bovinos, suínos e de aves.

Plínio Nastari,
diretor da Datagro

Enfim, eles contam com um tesouro a céu aberto, e podem vender a matéria-prima ou gerar energia para utilizar em sistema de aquecimento ou resfriamento de setores da propriedade. A biomassa já representa 4% da oferta de energia no Brasil.

Plínio Nastari é um entusiasta da bioenergia, e lembra que, na Cúpula da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável (realizada em setembro de 2015 nos Estados Unidos) o Brasil anunciou para o mundo a sua meta de reduzir em 43% a emissão de gases do efeito estufa até 2030, tendo como ano base 2005, e que a biomassa é um dos meios para atingir a meta, posto que a fonte é renovável.

Contudo, ele está é reticente quanto ao sucesso de um programa de bioenergia no curto prazo, devido à falta de políticas consistentes. “Podemos, de fato, ser uma potência nessa área, mas é preciso deixar claro que o mercado não precisa de intervenção, apenas de regulação”, ensina. Ele acrescenta que, para o setor privado investir é necessário a existência de um conjunto de regras claras, eficazes e transparentes. Só assim, o País transformará a “potencialidade em realidade”.


Tudo se transforma

Existem muitas opções de fontes para geração de energia limpa e renovável. Conheça o projeto de biodigestores caseiros

Na região Nordeste do Brasil, muitos agricultores pobres contam com gás de cozinha para uso ilimitado. E não pagam nada por isso.

Esse benefício, porém, não é fruto de nenhum programa assistencial do governo. O gás é gratuito por que são eles mesmo que o produzem, por meio de biodigestores “caseiros”.

O equipamento produz biogás utilizando como matéria-prima estercos bovino, suíno e de aves, além de resto de alimentos, misturados com água.

“A primeira carga é de cerca de 75 kg de esterco. Depois, o abastecimento pode ser feito a cada dois dias, com pequenas quantidades. Para se ter uma ideia, uma vaca produz material suficiente para gerar gás para uma família”, diz Francisco Leonardo de Andrade Freitas, coordenador territorial da ONG Diaconia, que implanta o programa.

Devido à falta de recurso dos agricultores, os custos de implantação são bancados pela Diaconia em parceria com uma agência norueguesa e com a empresa Ecos Brasil. O montante do investimento por unidade fica em torno de R$ 2 mil, incluindo as obras (alvenaria), tubulações e adaptação para o fogão.

Na atual fase o biodigestor produz gás e fertilizantes líquidos e solos – depois da fermentação, os restos são expelidos organicamente.
Mas, essa “usina caseira” poderá ser ampliada para também gerar energia elétrica. “É possível. Estamos estudando essa possibilidade”, confirma o coordenador.


Eficiência e segurança

Cuidados simples e fáceis de serem realizados melhoram os resultados reduzem os riscos

Biodigestor caseiro. Foto: ONG Diaconia

Procedimentos corretos são fundamentais para utilização do biodigestor com maior eficiência e segurança. Na composição de materiais, por exemplo, a inclusão de frutas é importante para proliferação das bactérias que produzem os gases.

Quanto aos estercos, os profissionais da Diaconia perceberam que os de aves proporcionam melhores resultados que os demais. Pode-se utilizar, inclusive, fezes de pássaros.

No quesito segurança, um galão de 20 litros de água é instalado na saída do gás. “A água tanto evita propagação do fogo em caso de incêndio, como serve de filtro para eliminação de odor”, diz Francisco Leonardo de Andrade Freitas, coordenador territorial da ONG Diaconia.

Há também um registro para abertura e fechamento da passagem do produto.  Contudo, o ideal mesmo é não deixar o gás armazenado. “Orientamos a queima do produto em excesso”, recomenda o coordenador.

Quanto aos dados técnicos, a temperatura do biogás é a mesma do produto de botijão. A única diferença entre eles está na pressão. Mas, isso se resolve com utilização de equipamento que amplia a entrada do produto nas bocas do fogão.


 

Muitos benefícios

Biodigestores proporcionam benefícios econômicos, ambientais e à saúde da população

Construção de biodigestor caseiro. Foto: ONG Diaconia

O programa de biodigestores caseiros começou a ser implantado em 2012 pela ONG Diaconia, depois de um período de estudos e de adaptações de um modelo existente na Ásia.

A ONG atua nas áreas conhecidas como Sertão do Pajeú (Estado de Pernambuco) e no Oeste Potiguar (Rio Grande do Norte). Em outubro de 2015 havia 270 unidades em operação (outras ONGs e empresas lidam com programas semelhantes, inclusive em outras regiões do País).

Dentre os benefícios citados estão economia com a compra do gás de botijão e a redução do desmatamento para retirada da madeira – muitas famílias pobres no Nordeste ainda utilizam fogão a lenha.

A redução da queima da lenha também elimina a fumaça que ataca as vias respiratórias.

Outros benefícios são a limpeza do curral – com a retirada das fezes – e a produção de fertilizantes orgânicos – líquidos e sólidos – que podem ser aplicados nos pomares e hortas.