Futuro da agricultura brasileira

Por Cesario Ramalho

 

Cesario Ramalho, agropecuarista, presidente da Câmara Setorial do Sorgo e do Milho do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa); integrante da diretoria da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho).

O Brasil criou um jeito próprio de fazer agricultura e pecuária nos trópicos, que resultou num agro forte, competitivo, diversificado e respeitado. Isso foi possível porque o setor incorporou tecnologia, qualificou processos, capacitou recursos humanos e melhorou a gestão.

Atualmente o Brasil produz cerca de 195 milhões de toneladas de grãos e fibras, 26 milhões de toneladas de carnes (bovina, suína e aves), 15 milhões de toneladas de papel e celulose, 50 milhões de sacas de café e cerca de 30 bilhões de litros de etanol, além de uma gigantesca cesta de alimentos básicos fornecidos pela agricultura familiar.

Mas este complexo e pujante setor, que acumulou crescimento de 34% nos últimos dez anos e alcançou um PIB de mais de R$ 1 trilhão em 2014, parece bater no teto. E isso acontece num momento crucial da história, em que o mundo conta com o Brasil como fornecedor de alimentos, energia renovável e fibras.

Para o início de um novo ciclo de crescimento, que determinará as posições futuras da agricultura brasileira, uma série de medidas precisa ser adotada.

Segurança jurídica – O primeiro passo para construirmos a agropecuária brasileira do futuro é resolver as questões que envolvem a segurança jurídica: demarcação de terras indígenas, reconhecimento de territórios quilombolas, desapropriações para a reforma agrária, ampliação das áreas de reserva ambiental, venda de propriedades rurais para estrangeiros e trabalho análogo à escravidão.

Assegurar um ambiente jurídico transparente e bem definido é primordial para o equilíbrio das relações, atração de investimentos e consequente avanço socioeconômico.

Código Florestal – Temos um novo Código Florestal equilibrado, que atendeu à pressão de ambientalistas, mas, principalmente, acabou com o emaranhado de portarias, decretos e medidas provisórias que se juntou ao antigo documento datado de 1965 e que levava insegurança a produtores de todo o país.

O desafio agora é implantar o Cadastro Ambiental Rural – CAR. Obrigatório, o CAR permitirá a adesão do produtor ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), que prevê a celebração de compromissos para a recuperação das Reservas Legais e APP em prazos máximos de dois a 20 anos, respectivamente.

Esse mapeamento fará com que nossos consumidores, sobretudo europeus e asiáticos, tenham a certeza que estamos num processo de evolução na certificação dos alimentos.

Produtividade e pesquisa rural – É consenso entre as lideranças do agro que o futuro da produção agrícola brasileira deve ocorrer nos próximos anos por meio de uma maior produtividade das terras já ocupadas pelo agronegócio.

Muito se fala sobre as pastagens degradadas, algo em torno de 100 milhões de hectares, que podem ser incorporadas à agricultura. O problema é que o uso destas áreas passa pela disseminação de tecnologia e uso extensivo de capital.

Já temos tecnologia para colher 100 sacas de soja por hectare, porém a média brasileira ainda está em 60 sacas. Precisamos aprimorar e disseminar as técnicas para todos os produtores por meio dos centros de pesquisas estaduais, universidades e sedes da Embrapa espalhadas pelo Brasil.

A Embrapa, acometida por constantes cortes de orçamento, perdeu terreno nos últimos tempos, como, por exemplo, na área de desenvolvimento de cultivares. Atualmente cerca de 70% de novas variedades de soja, 60% de milho e 80% de algodão vêm de programas de melhoramento genético da iniciativa privada.

O futuro da agropecuária brasileira passa pela blindagem política e financeira do nosso maior patrimônio nesta área.

Política agrícola – Temos de superar também os obstáculos derivados da falta de acesso do agro ao centro nervoso do governo. A frequente troca de ministros fragiliza a interlocução do setor com o Palácio do Planalto e impede que mudanças efetivas no Plano Safra, por exemplo, aconteçam.

Precisamos criar um plano plurianual, previsível e efetivo, que substituirá os anúncios feitos em junho de cada ano.

Seguro e renegociação de dívidas ganhariam com esta mudança. Atualmente apenas 7% da produção brasileira estão cobertos pelo seguro rural. Nos EUA, nosso principal competidor, o seguro cobre praticamente 90% da área agrícola e 85% dos agricultores.

É necessário garantir recursos orçamentários para o programa de subvenção federal, criação de um banco de dados com informações dos produtores, combinação da tomada de crédito com contratação do seguro e implantação de um fundo garantidor aos agentes seguradores, entre outros mecanismos.

Também precisamos buscar uma nova fórmula para a liquidação das dívidas dos produtores rurais. Vários segmentos do agro estão com dívidas altíssimas. E pior, está havendo aceleração da transferência das dívidas rurais para a União, via inscrição na DAU. Isso gera um enorme problema, pois cessam as linhas de crédito enquanto não ocorrerem os pagamentos.

Agricultura familiar – A agricultura familiar no Brasil também carece de mais investimentos em infraestrutura produtiva, beneficiamento, armazenamento, transportes e preços remuneradores. O sucateamento da Embrater fez com que o produtor, especialmente o pequeno e o médio, ficasse sem qualquer suporte público tecnológico. Porém a iniciativa da presidente Dilma Rousseff de lançar um novo esforço de extensão rural é muito bem-vinda.

A saída para esse tipo de produtor passa por atuar em grupos, cooperativas, por exemplo, ou investir em nichos, como na indicação geográfica, certificação que leva em conta características naturais ou humanas do território de origem ou do processo de fabricação, com foco na qualidade e tipicidade do produto como fatores de diferenciação.

São produtos com identidade e valor próprios e únicos. Fazem parte desta seleta lista as cachaças de Paraty (RJ) e de Salinas (MG); o café do Cerrado Mineiro e da Serra da Mantiqueira (MG); a carne bovina do Pampa, o vinho do Vale dos Vinhedos e o arroz do litoral, todos do Rio Grande do Sul, entre tantos outros. À medida que a renda cresce, o consumidor vai demandar, além de maior quantidade, variedade e qualidade de alimentos.

Política externa – O bom momento do agronegócio vem impedindo o déficit na balança comercial brasileira. Em dez anos as exportações agrícolas renderam US$ 694 bilhões, e esse setor deu ao país um saldo de US$ 528 bilhões.

Para expandirmos esses números, a pauta de uma política comercial mais aberta para o país deve prever o protagonismo no Mercosul e acordos com grandes consumidores como União Europeia, China e Estados Unidos.

Aumentar o número de adidos agrícolas – atualmente são oito – nas embaixadas brasileiras pelo mundo também é estratégico. Foi por meio do trabalho dos adidos que nossa carne suína entrou nos mercados japonês e norte-americano e novos frigoríficos foram autorizados a exportar para a Rússia.

Setor sucroalcooleiro – Atualmente há uma forte pressão mundial para o desenvolvimento de matrizes energéticas mais limpas. O etanol brasileiro, gerado a partir da cana-de-açúcar, tem o menor custo de produção e o maior rendimento em litros por hectare no mundo. No entanto o setor passa pela pior crise de sua história, com o fechamento de usinas e de postos de trabalho pelo interior.

O segmento quer única e exclusivamente um ambiente regulatório qualificado, com objetivos claros, segurança jurídica, mercado livre, criando assim um cenário com mais previsibilidade para tomada de decisões do setor privado e de investidores, hoje refratários.

O governo precisa fazer sua parte com a recuperação do valor da Cide sobre a gasolina, a criação de um mecanismo previsível e transparente de reajustes no preço da gasolina e, principalmente, o alongamento das dívidas acumuladas pelo setor nos últimos cinco anos. Em longo prazo, incentivar a produção de etanol a partir de milho associado a usinas já instaladas de cana.

Há ainda questões relativas a infraestrutura, logística, defesa sanitária e formação de mão de obra, que não andaram na mesma velocidade da produção e produtividade das fazendas brasileiras. Como viram, temos muito trabalho pela frente.