Plataforma digital criada no Brasil ajuda produtores a enxergar o que antes passava despercebido — e já gera economia de até 30% em diferentes frentes da operação agrícola

O agro brasileiro está mais tecnológico — mas ainda não é, em sua maioria, digitalizado. O improviso no campo continua sendo regra em milhares de propriedades, mesmo enquanto cresce o número de produtores que percebem os ganhos da inovação. Segundo um estudo recente da McKinsey, 54% dos agricultores brasileiros já reconhecem que inovações tecnológicas aumentam sua produtividade, um salto expressivo frente aos 39% em 2022. E esse movimento começa a se concretizar na prática: com dados na palma da mão, produtores agora conseguem controlar melhor estoques, abastecimento e tarefas, inclusive remotamente.

Foi diante desse cenário que a arquiteta Bárbara Kemp (foto acima), CTO e fundadora da Kemp Projetos e Gerenciamento de Obras, decidiu adaptar para o agro uma tecnologia originalmente criada para canteiros de obras. A plataforma Workemp, que organiza múltiplas frentes de trabalho em grandes redes de varejo e serviços, começou a ser aplicada durante a pandemia na gestão do próprio pomar da executiva, no sul do país. “Tudo estava na cabeça do agrônomo ou em papéis soltos. Se ele saísse, o conhecimento ia junto. Trouxemos para o campo o mesmo controle que temos nas obras”, afirma.

Hoje, o Workemp já é usado em propriedades agrícolas de diferentes portes com especial atenção às médias propriedades, que concentram parte significativa da produção no país, mas ainda operam com pouco aparato tecnológico. São produtores que têm escala, enfrentam desafios logísticos e financeiros, mas não contam com sistemas integrados ou ferramentas de apoio à gestão — e justamente por isso representam um grande potencial de transformação com tecnologia acessível e personalizável.

Em uma fazenda de laranjas, o sistema digitalizou o acompanhamento de abastecimento, movimentação de tratores, gestão de estoque de defensivos e organização das tarefas em campo. “Começamos rastreando o uso de equipamentos com GPS e percebemos que estávamos perdendo tempo e insumos por falta de visibilidade do que estava sendo feito. Com a integração dos dados, conseguimos reverter isso rapidamente”, diz Bárbara.

A plataforma permite controle total por meio de dashboards acessados por dispositivos móveis, com alertas e indicadores de desempenho em tempo real. Os checklists operacionais são personalizados por tipo de atividade, cultura ou estação do ano, e podem ser integrados a sensores, QR Codes e recursos simples que ajudam a reduzir falhas humanas e padronizar as entregas das equipes.

Segundo Bárbara, o impacto é direto na eficiência — e na margem do produtor. “Com o cruzamento de dados e a organização dos processos, tivemos casos de redução de até 30% em custos operacionais. E não foi com grandes investimentos, mas com inteligência na gestão.”

Esse movimento é reforçado por dados do relatório “Panorama da Inovação no Agro”, que entrevistou 86 empresas e cooperativas do setor. O estudo mostra que 76% das organizações já praticam inovação aberta, e 100% demonstram interesse em parcerias com startups. Mais da metade (62%) reconhece que hubs de inovação aceleram a adoção tecnológica, e 74% apontam que antecipar tendências é uma estratégia competitiva importante.

Mesmo assim, a estrutura interna das organizações ainda engatinha: só 31% usam métricas de esforço para medir inovação, e apenas 13% oferecem bônus por contribuição inovadora. Para Bárbara, isso mostra que o maior desafio continua sendo a mudança de mentalidade. “Muitos gestores acham que a tecnologia vai complicar, quando na verdade ela simplifica. Nosso objetivo é mostrar que é possível administrar uma fazenda com o mesmo controle e governança de uma empresa — e que isso cabe também no bolso do pequeno e médio produtor.”

Todo o desenvolvimento do Workemp no agro tem sido feito com foco em adaptação à realidade local. “A gente testa no nosso próprio pomar. O engenheiro agrônomo consulta o estoque online, o operador do trator tem GPS para calibrar a pulverização. Não tem glamour — tem resultado.”

A expectativa agora é de ampliar a atuação em culturas como citros, limão e bergamota, além de novas regiões como São Paulo e Centro-Oeste a partir de 2026. “Nosso foco é o produtor que quer escalar, mas não quer perder o controle. A tecnologia não resolve tudo, mas ela organiza, dá visibilidade e ajuda a tomar decisão com base em fatos — não em achismo”, resume.

Rogério Moraes, do pomar de laranjas do Sul


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