Blockchain e seus impactos na agricultura familiar

Por Bianca Ticiana

 

Bianca Ticiana é cofundadora da Culte. © Divulgação

Em 2008, quando ouvimos pela primeira vez o termo Blockchain e descobrimos como esta tecnologia poderia ser capaz de transformar a forma como fazemos negócios, foi simples concluir que ela era uma das inovações mais importantes para o futuro. Afinal, ela garante segurança, agilidade e transparência para transações e carrega um valor cada vez mais importante no mercado como um todo: a confiança.

O que não se sabia naquele momento é que a Blockchain teria potencial para impactar diretamente na vida das pessoas, sobretudo quando falamos de populações vulneráveis, como os pequenos produtores rurais. E as razões são muitas.

Para começar, a inovação e o poder transformador da Blockchain se devem a quatro características distintas. Primeiro, pela descentralização, já que os dados são armazenados num livro-razão público e compartilhado (não é controlado por apenas uma das partes, mas hospedado em vários computadores, de forma simultânea). Segundo, pela transparência: por funcionar em um livro-razão distribuído e público, o processo é realizado às claras e qualquer tentativa para alterar os dados é visível e facilmente detectável. Outro motivo é que não há intermediários, pois eles não são necessários e, assim, a redução de custos das operações é significativa, uma vez que não há mediadores nas transações.

Ao compreender o que é blockchain, é possível enxergar muitas possibilidades para que os diversos setores da economia social se beneficiem com sua aplicação – particularmente em questões financeiras e jurídicas. Vamos aos dados:

Aqui no Brasil, apenas 15% do financiamento agrícola total oferecido pelos bancos tradicionais é distribuído entre 85% dos agricultores familiares. Além de contar com uma parcela pequena  do capital disponível para crédito, estas famílias nem sempre recebem os recursos dos bancos nas datas adequadas para iniciar a produção e, por causa disso, recorrem a outras formas de crédito para financiar suas plantações — a maioria com taxas de juros exorbitantes, o que prejudica a lucratividade do negócio, levando até mesmo o pequeno produtor a contrair dívidas. Por outro lado, os 15% dos agricultores que detêm 85% do financiamento agrário conseguem aumentar a sua produtividade em até três vezes mais do que aqueles que não possuem recursos.

A atividade agrária necessita de uma série de insumos, como sementes, fertilizantes e os defensivos agrícolas, entre outras. Estes itens básicos são responsáveis por grande parte dos custos da produção e, quando comprados de forma não profissional, certamente há prejuízos.

Na tentativa de solucionar o problema, novas modalidades de crédito estão sendo criadas, utilizando a Blockchain para impulsionar a comercialização dos produtos, por meio de canais inovadores de vendas online que facilitem a desintermediação através da sua conexão direta com o mercado consumidor. Os produtores pequenos encontram muitas dificuldades para vender sua produção, especialmente para mercados externos, por conta da burocracia, falta de padronização, baixa qualidade e quantidade dos produtos, e logística inadequada. Para isso, a tecnologia vem se mostrando eficiente e promissora.

Outro ponto interessante é que a Blockchain também ajuda a resolver a questão do baixo poder de negociação dos produtores menores que atuam de forma isolada. Ao contar com centrais de compras ou plataformas de compras online, que permitam a eles atuarem de forma conjunta, fica muito mais fácil fazer melhores negócios.

Em 2018, foi realizado um estudo pelo Center for Social Innovation da Stanford Business School, em parceria com a Ripple Works, mostrando que a maioria das iniciativas que utilizam Blockchain são voltadas para transferências financeiras (25%) e registros e verificações (26%). Embora existam poucas análises aprofundadas sobre o uso desta tecnologia para ampliar o impacto positivo em populações desfavorecidas, sabemos que há excelentes exemplos práticos que já estão impactando milhares de pessoas, garantindo a elas acesso a serviços que antes elas não tinham.

Agregar valor à produção, realizar vendas conjuntas, utilizar assistência técnica comum  a todos para padronizar e melhorar a qualidade dos produtos e vender antecipadamente parte da produção como forma de se autofinanciar são algumas formas de empoderar o agricultor familiar e ajudá-lo a resolver os desafios do agronegócio – que não são poucos. A Blockchain é uma grande aliada para mudar mentalidades e transformar a realidade de muitas pessoas. Basta ter vontade de começar.


Renata Viana
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