Para onde caminhará o setor, guiado pelo aumento e modificações na demanda, e pressionado por restrições regulatórias, financeiras e produtivas, bem como por exigências socioambientais

O que esperar do agronegócio de agora em diante? Quais são as perspectivas do setor que levou o Brasil nas costas nos últimos anos? E os desafios (muito além da infraestrutura logística, contínua inovação tecnológica e seguro, por exemplo), tendências e oportunidades, com foco na necessidade de uma internacionalização cada vez mais qualificada do segmento?

Foi com este objetivo que a reportagem do Diário Agrícola:AgroPlanning colheu informações com especialistas de nomes de peso do trade do agro, a fim de diagnosticar o cenário recente do setor e traçar prognósticos, buscando contextualizar dados, fatos e opiniões num pacote de conteúdo objetivo e didático para você produtor, empresário, investidor, executivo, político, estudante, entre tantos outros personagens ligados ao agronegócio.

No curto prazo, as notícias não são tão alvissareiras, conforme explica Amaryllis Romano, da consultora Tendências. “As commodities agrícolas – apesar de se encontrarem em nível acima da média histórica – passarão por acomodação de preços, em razão, de super-safras e relação estoque-consumo relativamente elevada”, diz.

Segundo Amaryllis, o consumo mundial de grãos dentro de um ciclo de produção, tradicionalmente, fica próximo a 100%, mas na temporada 2014/15 deverá ficar em 96,5%, fator que justifica maior oferta sobre a demanda.

Todavia, no médio e longo prazo, assinala a consultora, as perspectivas de demanda para o agro são muito boas, e se mantém em viés de alta, especialmente pelo consumo crescente na Ásia (China e Índia) e Leste Europeu, e com o avanço da procura por carnes.

Na avaliação do presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Gustavo Diniz Junqueira, 2015 deverá ser um ano de mudanças em toda a economia, e também no agro. “É imprescindível um ajuste fiscal nas contas públicas, e o produtor rural precisará reduzir custos e investir em gestão/governança, com foco em mais eficiência”, afirma, acrescentando que ante o cenário de recuo das cotações das commodities, o agro pode deixar de ser um provedor de recursos para possivelmente demandá-los. “É um aspecto que precisará ser considerado pelo governo.”

Alan Bojanic, representante da FAO em Brasília.

Mundo faminto e exigente – Contudo, o aumento populacional e de renda, a tendência de substituição de energia fóssil por fontes mais limpas e renováveis – campo onde a agroenergia é destaque – são fatores que recolocarão o agronegócio no caminho do crescimento nas próximas décadas.

De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO/ONU), em 2050 a população mundial será de 9,1 bilhões – 34% acima da estimada hoje -, com o crescimento sendo mais robusto nos países em desenvolvimento. Segundo a FAO, 70% das pessoas viverão nas cidades, e os níveis de renda serão maiores do que os atuais.

Para alimentar esse contingente populacional e com maior poder aquisitivo, a produção de alimentos deverá aumentar em 70%, e o Brasil deverá responder por 40% deste crescimento, salienta Alan Bojanic, representante da FAO em Brasília.

Segundo ele, a produção de cereais, por exemplo, terá que crescer para três bilhões toneladas/ano em relação aos 2,1 bilhões produzidos atualmente. Por sua vez, a produção de carnes precisará aumentar em mais de 200 milhões de toneladas.

“80% da produção deverão vir do aumento da produtividade e 20% da expansão da terra arável”, destaca. “É um enorme desafio, haja vista que hoje ainda existem 805 milhões de pessoas que passam fome no mundo.”

Maurício Lopes, presidente da Embrapa.

Oportunidade – O encaixe para o agro brasileiro atender ao chamado da FAO está muito atrelado ao fato de que haverá um descompasso geográfico mundial entre crescimento populacional e capacidade de produção de alimentos.

A população crescerá em áreas com níveis baixos de produtividade agrícola, o que abre uma janela de oportunidades (e também uma série de desafios) para que o agro brasileiro se consolide realmente como celeiro do mundo. A análise é do presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Maurício Antônio Lopes. “A maior parte do crescimento populacional é esperado na África Subsaariana e na Ásia, regiões marcadas por baixa renda e produção agropecuária limitada”, informa.

Com base no seu sistema de monitoramento de tendências chamado “Agropensa”, a Embrapa estima que nos próximos 35 anos, a África Subsaariana responderá por 49% do aumento populacional do planeta, seguida pela Ásia com 41%, América do Sul (7%) e Estados Unidos (4%). Já a Europa terá queda populacional de 1%.

Por outro lado, a instituição já constatou que o crescimento da produtividade dos principais cereais (milho, arroz e trigo) está em declínio. “Já se observa uma certa ‘fadiga’ dos métodos convencionais de elevação de produtividade”, alerta. “Diante deste quadro, inovações ligadas à nanotecnologia, big data (conjunto de soluções tecnológicas), entre outras, serão cada vez mais demandadas para atender a necessidade de intensificação do uso da terra. Além disso, falar mal da biotecnologia (como alavanca para produção de alimentos) se configura numa afronta ao futuro.”

Na avaliação do presidente da Embrapa, como a distribuição da população mundial por região não vai acompanhar a distribuição de terras aráveis e a capacidade de produzir alimentos, o comércio agrícola aumentará, o que fará crescer também os riscos de contaminação biológica. Diante deste cenário, ganharão corpo questões como segurança sanitária, rastreabilidade e certificações. “Haverá uma valorização cada vez maior de produtos ‘verdes’, saudáveis, produzidos por meio de sistemas sustentáveis.”

Ameaças e tendências – De acordo com Maurício Lopes, estresses térmicos e hídricos (mudanças climáticas) tenderão a se intensificar nos trópicos, acarretando em migração de culturas agrícolas. Segundo ele, a agricultura ainda depende muito de energia fóssil, e precisa mudar isso, avançando num processo de “descarbonização”. Estima-se que a agricultura seja responsável por entre 12% a 14% das emissões de gases que provocam o efeito estufa, podendo chegar a 30% se for considerada toda a cadeia do agro.

Na visão do presidente da Embrapa, a automação de processos é uma necessidade do campo, com foco em ganhos de eficiência e produtividade. “E ao contrário do senso comum, que fala de desemprego, a automação vai, na verdade, reduzir a penosidade do trabalho na agricultura, e assim funcionar como um imã para atrair mais jovens.”

Lopes enfatiza que a agricultura será, cada vez mais, pressionada na direção da multifuncionalidade, ampliando seu escopo de produção para além de alimentos, energia e fibras. “Será preciso dirigir esforços também para produtos agrícolas voltados à saúde, química verde, biomateriais, serviços ambientais e assim por diante. Passaremos a falar cada vez mais de segurança nutricional do que alimentar.”

Gustavo Diniz Junqueira, presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB).

Alerta financeiro – Mas a viabilidade de tudo isso passa, obviamente, por recursos, e a estrutura de financiamento do agro brasileiro, ainda muito calcada no crédito estatal, é insatisfatória para que o País cumpra o desafio de se tornar o “guardião da segurança alimentar do planeta”, observa o presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Gustavo Diniz Junqueira.

Segundo o dirigente, em nenhum país, a agricultura deixa de contar com apoio governamental, mas é preciso diversificar as fontes de recursos, fortalecendo a relação do segmento rural com o mercado de capitais. “É uma mudança que terá que ser feita, mas de forma modular.”

Junqueira chama a atenção ainda para o fato de que o Brasil como um todo, e nisso também se enquadra o agro, ainda é “muito comprado e pouco vendido”. “Estamos fora do grupo de países capitalistas modernos que ancoram seu sucesso nas negociações de comércio internacional e no protagonismo do setor privado.”

De acordo com o presidente da SRB, o padrão alimentar global está mudando, onde qualidade ganha terreno como fator-chave. “A quantidade exportada continuará sendo importante, mas os produtos mais bem acabados (que custam mais para serem produzidos, mas também valem mais) serão cada vez mais demandados.” E este novo cenário, exigirá quebra de modelos, frisa Junqueira.

Segundo ele, para se inserir de maneira competitiva nas cadeias globais de valor – agregando a sua já forte cesta exportadora de commodities, o embarque cada vez maior de produtos “agroindustrializados” -, o Brasil terá que implantar mudanças significativas no modo como produz e vende, de olhos nas tendências de consumo.

“Escala e verticalização, e diferenciação e marketing são objetivos a serem perseguidos. Haverá uma seleção natural, onde somente os melhores produtores, que conseguirem investir cada vez mais em tecnologia, governança e gestão, permanecerão na atividade.”

Além disso, o dirigente lembra, ainda, que no que diz respeito ao comércio exterior, o governo precisa ter uma visão pró-negócio, e o ambiente regulatório interno tem que ser amigo do investidor e dos setores produtivos. “A obrigação do Estado é facilitar o ambiente de negócios, oferecendo segurança jurídica e previsibilidade.”

 

Mundo desperdiça 30% dos alimentos que produz

Recuo no desperdício reduziria, em parte, a necessidade do aumento de produção

Se há um desafio de aumento de produção agrícola, há outro tão importante quanto – mas decerto modo oculto – que é o combate ao desperdício de alimentos, que hoje chega a 30% de tudo o que é produzido no mundo.

“Não basta produzir mais, é preciso reduzir as perdas e desperdícios, que estão em todos os elos da cadeia da alimentação, da produção ao consumo”, avisa o especialista no tema, Walter Belik, coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Segundo ele, a redução do desperdício pela metade representaria 25% da oferta de alimentos necessária para atender ao desafio de demanda previsto para 2050.

 

Cardápio do futuro

Pesquisas revelam tendências do consumo de alimentos, entre elas praticidade e conveniência

Bob Vieira da Costa, presidente da Nova/SB.

A comida, o jeito de preparar, o local onde o brasileiro se alimenta e os fatores que guiam suas escolhas alimentícias mudaram e vão mudar cada vez mais, apontam duas pesquisas: a “Brasil Food Trends 2020”, elaborada pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e Ibope; e a “Pesquisa Qualitativa Inova: Cultura Gastronômica”, produzida pela agência Nova/SB, ambas realizadas nas nove principais regiões metropolitanas do País.

De acordo com o estudo Inova, a comida brasileira mudou, desde temperos, passando pelo tipo de alimento, até pelos horários das refeições. Outras conclusões do documento são de que o ritual das pessoas comerem juntos na mesa está acabando e que ninguém mais faz comida como antigamente.

“Isso é consequência da vida moderna, da falta de tempo, mas também por falta de paciência, de um hábito que se perdeu”, diz o presidente da Nova/SB, Bob Vieira da Costa, acrescentando que: dois em cada cinco brasileiros declaram que não têm tempo para se preocupar com a alimentação.

Entre as tendências mais comuns, relacionadas ao consumo de alimentos, identificadas em ambos os trabalhos, destacam-se: sensorialidade e prazer, saudabilidade e bem-estar, conveniência e praticidade, confiabilidade e qualidade, e sustentabilidade e ética.

Segundo Vieira da Costa, o cardápio do futuro será baseado em matérias-primas com garantia de origem, valorização das informações sobre processos produtivos e produtos, e garantia de padrões de qualidade. “Investimentos em ferramentas de rastreabilidade e certificações serão cada vez mais necessários.”

O presidente da Nova/SB pontua, também, que se o produtor não conhecer a fundo seu consumidor, não vai conseguir desenvolver o produto que este precisa ou espera. “É fundamental conhecer e estabelecer relações de credibilidade e cumplicidade”, ressalta.

Para tanto, acentua, é necessário fazer e se aprofundar em muita pesquisa, acompanhar as tendências no Brasil e exterior, bem como as mudanças no comportamento do consumidor, além de valorizar as boas práticas de produção.

Os estudos também tratam dos fatores que o consumidor valoriza na hora de experimentar um novo alimento, que pela ordem decrescente (do mais para o menos importante) são: marca, ser gostoso, nutritivo, qualidade, barato e com menos conservante.

Além disso, os trabalhos indicam, ainda, quais ações geram admiração e respeito na visão do consumidor: qualidade, canal direto de relacionamento, investimentos em projetos socioambientais, variedade, alimentos gostosos e fluxo de informação.

Com base nestas respostas, reforça Vieira da Costa, é claramente possível enxergar duas importantes vertentes para se conquistar admiração e preferência do consumidor. “Uma ligada a características do produto e a outra ligada a questões relativas ao comportamento da marca, ou seja, reputação.”