Produtor rural e o paradigma falimentar
Por Jhonatan Poiana, advogado do escritório Ernesto Borges Advogados Associados do Núcleo de Recuperação Judicial e Falência.
A premissa é simples e, no agro, frequentemente ignorada: preservar a atividade econômica não se confunde com preservar o Devedor como gestor. A teoria do creditors’ bargain, formulada por Thomas H. Jackson, parte de um acordo hipotético entre credores racionais para maximizar o valor do conjunto de ativos por meio de um procedimento coletivo que reduz a corrida individual e minimiza custos de coordenação.
Na falência, os ativos se destinam ao pagamento de credores (arts. 75, 83 e 84); salvar o agente que os operava é, quando muito, um meio — nunca um fim em si mesmo.
No agronegócio, esse entendimento é decisivo. O setor depende de capital intensivo, ciclos estreitos, barter com fornecedores, adiantamentos de tradings, tecnologia de alto custo e contratos de transporte sensíveis a atrasos. Parte relevante dos bens é gravada por alienações fiduciárias e travas sobre recebíveis. A Recuperação Judicial, que pressupõe reorganização crível do passivo e capital novo, frequentemente se converte em ônus, quando, em linguagem econômica, sem governança nova e financiamento robusto, transforma um problema de balanço em um problema de fluxo — e, por vezes, em destruição líquida de valor.
Daí a importância de reconhecer quando a recuperação vira ônus e a rota falimentar se torna o caminho de preservação via substituição empresário. O argumento não é moral, é funcional. A empresa, no direito falimentar contemporâneo, é atividade organizada, não a pessoa do Devedor. Preservar a atividade é manter ativos em uso, ainda que sob outros CNPJ’s. Quando a recuperação depende de capital que não vem ou de governança que não se entrega, o processo se arrasta, ciclos se perdem, a base colateral se deprecia e o “mais tempo” apenas posterga o inevitável. O creditors’ bargain ilumina esse ponto: credores racionais escolheriam a solução que maximiza o valor presente.
Para evitar mal-entendidos, convém pontuar dois limites práticos da falência. Primeiro, “vender rápido” não é “vender mal”: há espaço para organizar alienações que capturem sinergias (ex.: venda em conjunto de terras, máquinas e contratos de fornecimento/armazenagem transferíveis), elevando o preço e facilitando a continuidade material da operação por terceiros. Segundo, respeitam-se os contornos de cada garantia: ativos em propriedade fiduciária não integram a massa; créditos com garantia real seguem sua ordem; extraconcursais são pagos antes. A função do processo é redesenhar a posse e a titularidade de modo a viabilizar um novo uso produtivo — e não apagar direitos.
Precedente relevante acerca da aplicação do instituto falimentar ao produtor rural é o do Grupo Foco, liderado pela Foco Agronegócios S.A., cuja Recuperação Judicial foi convolada em Falência (autos nº 0002360-65.2020.8.27.2721 – TJTO). Diante da rejeição do plano pelos credores, entendeu-se que a tutela mais adequada aos interesses da massa credora seria o regime falimentar. A falência foi decretada em 20/01/2022 e atualmente encontra-se em fase de arrecadação e liquidação.
Em certos cenários, a falência é o que efetivamente preserva a atividade. Quando a recuperação não entrega capital, não rearranja governança e apenas consome caixa, o caminho eficiente — e juridicamente correto — é a falência com alienações rápidas, direcionando ativos a operadores aptos, realizando valor aos credores e mantendo o motor da produção sob nova direção. Essa é a lógica do creditors’ bargain aplicada ao agro: menos retórica, mais caixa; menos apego ao Devedor e mais preservação da atividade, com segurança jurídica aos credores.
Referências:
- Lei n° 11.101/2005 (com alterações da Lei 14.112/2020);
- Jackson, Thomas H. The Logic and Limits of Bankruptcy Law. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1986.
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