O agro continua pop?

Por Nathália Grizzi, advogada sócia titular da área empresarial e especialista em direito no setor de agronegócio do Martorelli Advogados

 

No atual momento econômico global talvez a única certeza seja a incerteza. O tarifaço imposto por Donald Trump e as tensões crescentes entre Brasil e Estados Unidos, incluindo dúvidas do mercado financeiro sobre a aplicação da Lei Magnitsky e o posicionamento STF, aliados à alta histórica da taxa de juros no Brasil parecem ser o combo da tragédia anunciada para o agronegócio, setor severamente impacto por tudo isso.

O agro representa mais de 20% do PIB brasileiro e, boa parte disso, se deve às exportações. Em números de 2024, tem-se que o total de exportações do agronegócio brasileiro foi de US$ 164,4 bilhões, dos quais US$ 12,08 bilhões foram exportações para os EUA. Com o tarifaço, estima-se uma perda total de US$ 5,8 bilhões para o setor. No entanto, mesmo diante do papel significativo que o agro desempenha na economia nacional, o que se vê nos últimos tempos é um incremento significativo de pedidos de recuperação judicial.

O número de recuperações judiciais no Brasil cresceu impressionantes 173% de 2022 para 2024, ano em que atingiu o seu recorde histórico, com 2.273 pedidos, sendo 423 no setor primário (Dados obtidos a partir do Serasa Experian – Indicador de Falência e Recuperação Judicial).  Só no 2º trimestre de 2025, 388 empresas agropecuárias estavam em recuperação judicial, alta de 59,7% em relação ao mesmo intervalo de 2024.

O ponto de inflexão nesse contexto é a lente com a qual ele é analisado. Enquanto economistas e muitos executivos veem o recorde de recuperações judiciais como um sinal de crise, líderes visionários do agronegócio reconhecem uma janela de oportunidade histórica para consolidação setorial e crescimento inorgânico do setor.

De acordo com os dados publicados no Relatório Semestral de m&a da Bain & Company, o mercado de fusões e aquisições estratégicas cresceu 11% nos últimos 12 meses, até maio de 2025. Os dados parecem ser contraditórios – crise econômica e tarifária, aumento de recuperações judiciais e aumento de operações de m&a -, mas, na verdade, além do fato de que o mercado tende inevitavelmente a se movimentar, esse crescimento se deve à diversificação das operações no formato tradicionalmente conhecido.

E é exatamente nesse contexto que ganham relevância as chamadas operações de distressed m&a: operações de compra e venda de empresas ou de ativos estratégicos em cenários de estresse financeiro, como, por exemplo, em recuperações judiciais ou falências.

É um movimento silencioso, que não ganha tanto espaço na mídia, mas consistente. As empresas não estão deixando de negociar. Elas estão negociando diferente e isso se aplica totalmente ao agronegócio.

Caso paradigmático é o do Grupo Virgolino de Oliveira (GVO). Em recuperação judicial desde 2021, o GVO se preparou para vender suas usinas e terras por aproximadamente R$2,5 bilhões, com o objetivo de reduzir uma dívida monumental de R$7 bilhões.

De um lado, temos empresas intensivas em capital e que precisam gerar liquidez para evitar um colapso financeiro. De outro, compradores com caixa e disposição para assumir riscos bem calculados e eventualmente para consolidar o setor.

Operações realizadas em recuperações judiciais, quando bem estruturadas, servem como mecanismo tanto de salvaguarda para a empresa em crise quanto como ferramenta jurídica segura e inteligente para quem adquire o ativo.

A venda de ativos na forma de Unidades Produtivas Isoladas (UPIs) em processos de recuperação judicial permite que empresas em dificuldades financeiras monetizem seus ativos mais valiosos, garantindo liquidez para pagamento de dívidas, ao passo em que também trazem segurança jurídica para os investidores e, consequentemente, interesse para o setor.

Isto porque, ao adquirir ativos na modalidade UPI dentro de uma recuperação judicial, em regra, estamos diante de uma aquisição originária. Ou seja, o ativo vem limpo, livre de qualquer passivo e sem risco de sucessão pelo investidor.

Analisando o cenário atual do agronegócio sob esse prisma, observa-se que há uma convergência de fatores econômicos únicos – alta da taxa de juros, pressão de capital, tarifaço e câmbio desfavorável para o Brasil – atrelada a uma oportunidade de ativos de qualidade em situação de estresse. É hora de entender o crescimento das recuperações judiciais no agronegócio não como apenas um sintoma de crise, mas como uma janela de oportunidade para negócios estratégicos.


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