O reaproveitamento de resíduos agroindustriais é o foco de pesquisadores da ESALQ/USP e da FOP/UNICAMP, que atuam para dar destinos mais nobres, pensando na sustentabilidade e na economia do País.

Professor Severino Matias de Alencar – Foto: Gerhard Waller

Nas últimas décadas, o processamento de alimentos em escala industrial vem se modernizando. No entanto, um dos maiores problemas relacionados à agroindústria é a abundante quantidade de resíduos gerados durante o processamento da matéria prima. Na maioria dos casos, esses resíduos não são tratados e reaproveitados, apresentando uma disposição ambientalmente inadequada, com potenciais riscos de contaminação dos solos e da água. Diante desse contexto, o professor Severino Matias de Alencar, do Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (USP/ESALQ), coordenador do projeto “Prospecção e identificação de compostos bioativos de resíduos agroindustriais para aplicação em alimentos e bebidas”, trabalha na busca de apresentar alternativas para os principais resíduos gerados na agroindústria alimentícia. A proposta é mapear suas potenciais formas de reaproveitamento, no intuito de fornecer informações para a elaboração de planos de gestão adequados ao setor. O trabalho ocorre em conjunto com alunos de iniciação científica do curso de Ciências dos Alimentos da ESALQ, mestrandos, doutorandos e pós-doutorandos, além de contar com o professor Pedro Luiz Rosalen e sua respectiva equipe de pós-graduandos e pós-doutorandos, da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP), da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

O Brasil tem uma área total de 851 milhões de hectares, sendo pouco mais de 30% desse total (282 milhões de hectares) como área produtiva. A maior parte do território nacional (463 milhões de hectares) é de área em que não se pode produzir, devido às reservas legais, unidades de preservação, centros urbanos, rios, estradas, áreas de reflorestamentos, entre outros. Ainda assim, mais de 100 milhões de hectares estão à disposição para a produção alimentos no país. Essa parcela corresponde ao dobro do território francês, espanhol e ao triplo do território alemão.
Segundo o professor da ESALQ, de acordo com a FAO, a produção de alimentos global precisa dobrar até 2050 para que a segurança alimentar de uma população que se aproximará dos 10 bilhões de habitantes seja garantida. Neste sentido, o Brasil, que já é líder mundial na produção e exportação de diversos alimentos, se torna o maior protagonista deste cenário. “Isso acontecendo, viria o segundo impacto, o Brasil vai gerar mais resíduos, então nosso grupo estuda e busca dar alternativas para a reutilização dos resíduos agroindustriais. Trabalhamos muito com a identificação e vocação de moléculas bioativas para a sua reinserção na cadeia agroalimentar”.

Para o professor Pedro Luiz Rosalen, o trabalho que vem sendo realizado é de grande importância, pois além de colaborar com a sustentabilidade e a economia, os resultados são muito importantes à indústria. “Nós trabalhamos com antioxidantes porque, hoje, é uma das substâncias mais utilizadas na indústria de alimentos, cosméticos, farmacêuticas, higiene e indústrias químicas. Os produtos usados atualmente são sintéticos e com alguns efeitos indesejáveis. Então a busca e a prospecção de novas moléculas com essa atividade é o nosso carro chefe. Buscamos produtos antioxidantes, que o professor Severino lidera na ESALQ e, simultaneamente, esses extratos são verificados em outros testes biológicos, como atividade antimicrobiana, antinoceptiva e anti-inflamatória”, disse Rosalen.

No Brasil, o destino dos resíduos tem sido pouco nobre, ou seja, poderíamos sanar perdas econômicas e problemas ambientais. “Quando você trabalha com resíduos e quando você dá a conotação necessária a eles, você pode minimizar impactos e agregar valor à cadeia. Assim todos os setores são beneficiados e têm um retorno positivo”, disse Alencar.

 

A uva, uma aliada natural – A vitivinicultura gera subprodutos, como o bagaço (composto por casca e sementes) e o engaço, que juntos podem representar até 30% da quantidade total de uvas vinificadas. A estimativa de produção de uvas no Brasil para 2017 é de 1,3 milhões de toneladas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Supondo que a produção total de uvas seja processada, cerca de 390 mil toneladas de subprodutos serão gerados somente no Brasil esse ano, a maioria descartada sem qualquer tipo de tratamento, causando um grande impacto ambiental. “Estudos já mostraram que esses subprodutos podem ser fontes de antioxidantes naturais, especialmente porque contêm compostos fenólicos. Como fontes de antioxidantes, esses materiais podem ser reutilizados como substitutos de aditivos ou novos ingredientes nas indústrias de alimentos e farmacêuticas”, avalia Alencar.

Resíduos agroindustriais da uva – Foto: Priscilla Melo

Portanto, a compreensão científica de métodos eficientes de extração, verificação da atividade antioxidante por diferentes mecanismos de ação e ensaios de citotoxicidade são importantes para iniciar a reutilização desses subprodutos agroindustriais em grande escala como fonte de antioxidantes naturais. Além disso, dar-lhes um novo destino poderia contribuir para diminuir a quantidade de material orgânico descartado no meio ambiente, bem como aumentar a taxa de utilização de alimentos. Os subprodutos vinícolas utilizados nesse estudo conduzido por Priscilla Melo, doutora em Ciência e Tecnologia de Alimentos, pela ESALQ-USP, foram obtidos das castas francesas Chenin Blanc, Petit Verdot e Syrah. Essas variedades de uva foram cultivadas e vinificadas em um importante cluster brasileiro de vitivinicultura, localizado no município de Petrolina, no vale do rio São Francisco, onde as práticas de manejo de culturas são diferenciadas, uma vez que é uma Região semiárida.

O estudo avaliou o potencial antioxidante de extratos previamente otimizados de subprodutos vinícolas, o qual que foi determinado com base na capacidade de desativação de radicais livres sintéticos e espécies reativas de oxigênio (ROS). Além disso, foram realizadas a caracterização de seus compostos fenólicos bioativos, ensaios de citotoxicidade e a avaliação do efeito desses extratos de subprodutos de uva sobre a liberação de TNF-a em células RAW 264.7. Segundo os professores, até onde eles sabem, esta é a primeira vez que o potencial antioxidante dos subprodutos dessas três variedades de uva europeias, aclimatadas a uma região semiárida, são avaliados. Os resultados obtidos mostraram que os resíduos, especialmente os engaços, possuem elevada atividade antioxidante, além de serem fontes de moléculas bioativas naturais, tais como catequina, procianidina B1, epicatequina e ácido gálico. Este estudo foi publicado na revista Food Chemistry – Winery by-products: Extraction optimization, phenolic composition and cytotoxic evaluation to act as a new source of scavenging of reactive oxygen species).

 

Ação anti-inflamatória – A uva sempre foi cultivada e aproveitada devido às suas importantes propriedades nutricionais. Entre as suas propriedades biológicas, podemos destacar, principalmente, suas ações antioxidantes, cardioprotetoras, anticancerígenas, antibacterianas, antidiabéticas e anti-inflamatórias. As variedades de uva são cultivadas em áreas distintas em todo o mundo, produzindo grandes quantidades de subprodutos. Cerca de 80% da safra total é utilizada na elaboração de vinhos e o bagaço representa cerca de 20% do peso das uvas processadas.

Dados atuais apresentam um cultivo global de uvas em torno de 691 milhões de toneladas, que podem fornecer quase 110 milhões de toneladas de bagaço. Pesquisas apontam que, após a fabricação de vinho, quantidades substanciais fenólicas ainda estão presentes em quantidades significativas em subprodutos. Deste modo, esse material poderia ser uma fonte importante de compostos ativos com diferentes atividades biológicas que poderiam ser adicionados em formulações farmacêuticas, nutracêuticas ou cosméticas.

Atualmente, a uva francesa Petit Verdot é cultivada no Vale do Rio São Francisco, em Pernambuco, para produzir vinhos finos envelhecidos devido ao potencial fenólico elevado. Adaptada pela primeira vez em uma extensão tropical, essa variedade tornou-se alvo de diversas pesquisas para sua composição química e suas propriedades biológicas. Um estudo preliminar no modelo de edema de pata de ratos, conduzido por Carina Denny, pós-doutoranda em Farmacologia, Terapêutica e Anestesiologia pela UNICAMP, selecionou o extrato etanólico do bagaço Petit Verdot, devido a efeitos anti-inflamatórios e alto teor de conteúdo fenólico. O estudo avaliou a atividade anti-inflamatória do extrato do bagaço de uva Petit Verdot e suas frações de hexano, clorofórmio e acetato de etila, além de identificar o potencial das frações ou dos compostos ativos (por exemplo, t-resveratrol, 2 protocianidinas, 3 antocianinas, além de outros polifenóis). “O efeito mais ensejado foi observado tanto no extrato do bagaço desta uva, quanto em uma fração bioativa, que reduziu significativamente o edema de origem inflamatório, cujo mecanismo alvo foi à diminuição da migração neutrofílica para o foco da inflamação. Este é um mecanismo interessante para ação anti-inflamatória, devido uma possível redução dos efeitos adversos desta categoria de fármacos, proporcionando concomitantemente diminuição na produção de dois importantes sinalizadores do processo inflamatório, qual seja o fator de necrose tumoral-alfa (TNF-α) e a interleucina pró-inflamatória 1-β”, explica a pesquisadora. Com este resultado, publicado no Journal of Functional Foods, uma publicação de respeitada política editorial na área de alimentos funcionais os professores consideram ser promissor a utilização do resíduo agroindustrial do bagaço desta uva como fonte de substâncias bioativas, que possam ser utilizadas como alimento funcional ou como protótipo de fármacos, que traduzam em melhor qualidade de vida e, ao mesmo tempo, promovendo a sustentabilidade da produção agroindustrial.

 

Economia – O Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio cresceu 4,5% em 2016, comparado ao ano anterior, acompanhando a alta de 2,85% da agroindústria nacional no mesmo período. Em 2016, a participação do agronegócio no PIB brasileiro foi de 23,5%, colocando o Brasil como um dos principais países exportadores de produtos agrícolas no comércio mundial.

No primeiro trimestre de 2017, o IBGE divulgou que o PIB teve crescimento de 1%, e o principal fator foi o desempenho do Agronegócio. A expressiva atividade agroindustrial no país gera, por consequência, uma elevada quantidade de resíduos originados nos mais diferentes ramos da agroindústria, sendo necessárias, assim, medidas que busquem a disposição ambientalmente adequada para o aproveitamento desses materiais. Sabendo que, por exemplo, os antioxidantes naturais dos resíduos têm potencial para substituir os produtos sintéticos usados na indústria de alimentos, isto poderia resultar em redução de custos. Portanto, é imprescindível a continuidade de pesquisas nesta área, fomentada por órgãos de pesquisa, no sentido de avançarmos para soluções ambientalmente, economicamente e socialmente corretas, antes mesmo da intensificação destes problemas nos próximos anos.

Além disso, o professor da Unicamp destacou a necessidade do Governo investir mais nas universidades e o papel dos educadores. “Nós precisamos que o governo fomente mais e que tenha uma política de ciência e tecnologia nessa área de pesquisa, que além de colaborar com a sustentabilidade da produção agrícola, pode agregar significativamente valor ao setor agroindustrial. Nós formamos alunos de alto nível, publicamos as pesquisas e temos patente, ou seja, a Universidade está cumprindo a sua função”.

 

Sustentabilidade – Além dos resíduos poderem se configurar um fator economicamente positivo, seu reaproveitamento é a melhor maneira de se evitar o desperdício. Sustentabilidade é o termo utilizado para determinar ações que visam abastecer as necessidades atuais dos seres humanos, com o objetivo de não afetar o futuro das próximas gerações. A sustentabilidade está relacionada ao desenvolvimento econômico e material sem prejudicar o meio ambiente, aproveitando os recursos naturais de forma inteligente para que eles se conservem no futuro.

O reaproveitamento dos alimentos colaborará com a diminuição do desperdício e a minimização do impacto ambiental. Essa alternativa, na qual os professores Severino e Pedro trabalham, ajuda na elaboração de novas soluções para esses subprodutos, com o objetivo de obter compostos bioativos e elaborar produtos com bom valor nutricional e também funcional.

Pensando na sustentabilidade, o professor Severino destaca o que vai acontecer futuramente se nós não reaproveitarmos melhor os resíduos agroindustriais, assim como já feito na Europa e nos Estados Unidos. “Se não nos preocuparmos com a relação meio ambiente x resíduos, ao passo em que crescermos e aumentarmos nossa produção aumentará também à poluição causada pelo descarte inadequado desses materiais. Isso pode representar também uma forma de perdermos competitividade no mercado, já que algumas indústrias e setores de mercados externos olham como nós produzimos e se nós desmatamos. Portanto, isso tudo é importante para que o mercado internacional no futuro não crie barreiras advindas da grande geração de resíduos agroindustriais e da falta de destino adequado a eles”, finaliza.


Texto: Caio Nogueira
Revisão: Caio Albuquerque

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