O controle biológico de praga tem se tornado opção de agricultores. Fungos, bactérias, parasitas, nematoides e outros organismos vivos são cada vez mais utilizados como agentes de defesa da lavoura. Em três anos, a venda desse tipo de defensivo cresceu mais de 50% na América Latina. Grandes multinacionais já entraram no segmento

Pode causar estranheza – ou rejeição –, na maioria dos agricultores, a sugestão de aplicar fungos, bactérias, nematoides (vermes) e outros organismos vivos contra as pragas que atacam as plantações. Para muitos, a impressão é que essa prática injeta mais bichinhos na lavoura e amplia o risco ao invés de reduzi-lo.

De fato, esse processo aumenta a população de microrganismos no ambiente. Mas, segundo a Associação Brasileira das Empresas de Controle Biológico (ABCBio) eles atacam seus inimigos (outros insetos) e não os vegetais.

Pedro Faria Jr.,
presidente da ABCBio

Explicando o objetivo dessa prática, Pedro Faria Jr, presidente da entidade diz que ela visa controlar as pragas agrícolas e os insetos transmissores de doenças a partir do uso de seus predadores naturais.  “É um processo que envolve plantas, parasitoides, predadores e entomopatógenos*, bem como suas interações, promovendo o equilíbrio entre os organismos que compõe os ecossistemas. O Controle Biológico é um processo natural de regulação populacional através de inimigos naturais”.

Sobre o material utilizado, Pedro Faria fala da divisão em microbiológicos, que são microrganismos, como vírus, fungos entomopatogênicos, fungos antagonistas, bactérias entomopatogênicas e bactérias antagonistas; e os macrobiológicos, que atuam como parasitoides ou predadores e constituem uma estratégia eficaz nos programas de manejo de pragas em diversas culturas. “Nematoides** entomopatogênicos, os nematoides do bem, também são classificados como macrobiológicos”.

Da fórmula à aplicação | A manipulação de organismos vivos implica em riscos, por isso requer especialização e cuidados. Para Pedro Faria, esse é o trabalho das indústrias do setor. Elas “realizam os processos de formulação dos agentes biológicos de controle, visando manter o micro-organismo ou macro-organismo em uma forma física mais efetiva com respeito à atividade biológica, estocagem e aplicação”.

Após estes processos, a matéria está disponível para a venda, em diversas formas. “Para os macrobiológicos são comercializados ovos, pupas, larvas e insetos vivos. Nos microbiológicos são comercializados esporos, hifas, estruturas de resistência, bactérias, etc”, informa o presidente da ABCBio.

Ele acrescenta que a comercialização depende da formulação e do agente biológico de controle, podendo ser na forma granulada, suspensão concentrada (líquido), pó molhável WP, em cartela contendo ovos parasitados, em cápsula contendo microvespas.

A fase de aplicação depende do agente biológico de controle. Pode ser no tratamento de sementes e mudas, plantio, período vegetativo, reprodutivo, ou de forma preventiva. O importante, segundo o presidente, é realizar a aplicação levando em consideração o monitoramento da presença de praga ou doença. Na lavoura, as aplicações podem ser com jato dirigido, ou em pulverizações aéreas, com utilização de drones, em equipamento acoplado à traseira de uma motocicleta – no caso da liberação de cartelas/capsulas, e ate mesmo liberação manual. Quanto à parte da plantação a ser aplicada, depende também do risco: pode ser localizada ou na área total.

Ácaro rajado e predador

Segundo o presidente da ABCBio os preços dos defensivos biológicos são frutos da formulação, da tecnologia empregada na produção do produto e alvo biológico. Solicitado a fazer comparativos com valores de mercado de defensivos tradicionais, para as principais culturas do Brasil, ele se esquivou. E justificou: “Não há como comparar preços. Os biológicos muitas vezes atuam em sítios diferentes dos químicos, compondo assim um melhor pacote de manejo”.  E prosseguiu: “A ideia é garantir maior efetividade no controle da praga no longo prazo, consequentemente, diminuindo o custo de produção”

Mas, ele não se recusou a comentar as vantagens dos defensivos biológicos. Disse que estes não possuem problemas com resíduo nos alimentos, que os produtos com ativos biológicos são de baixa toxicidade ao aplicador e pouco perigosos ao meio ambiente.

Lagarta (Noctuidae spodoptera) morta

E foi além: “Muitos produtos biológicos auxiliam o manejo atuando sobre as pragas ou doenças em fases em que o defensivo químico não tem eficiência. Mas a grande vantagem é que o biológico se soma as outras práticas de manejo favorecendo, assim, o controle e equilíbrio do ambiente”, destacou.

Convivência dos produtos | Em outro questionamento, Pedro Faria admitiu que o defensivo biológico pode conviver com o químico, em algumas situações. “O uso de agrotóxicos também compõe o manejo integrado de pragas, e a ideia é utilizá-lo sempre que necessário, quando outros métodos não são suficientes para o controle de determinada praga”, argumentou. No seu entender, o uso abusivo de produtos químicos causa danos. Por isso, “os defensivos biológicos chegaram para compor um pacote de ferramentas de manejo que promovem a redução de danos econômicos e a supressão do uso descontrolado de agrotóxicos, tornando, assim, o manejo da praga ou doença mais equilibrado e sustentável”.

Pedro Faria esclarece também que os produtos são registrados por alvo biológico (tipo de praga), não por cultura. Por esta razão os defensivos biológicos podem ser utilizados em todas as culturas, desde que apresentem a praga alvo. Atualmente os maiores utilizadores dessa tecnologia no Brasil são produtores de cana de açúcar, soja, milho, algodão e hortifruti.

Embora, segundo Pedro Faria, seja possível a utilização de mais de um organismo em uma mesma cultura, isso nem sempre é necessário. “A necessidade vai variar de acordo com o problema e a prática de manejo adotado”, diz.  E cita como exemplo o manejo integrado de pragas na cana-de-açúcar, no qual se pode utilizar distintos agentes biológicos de controle, como a cotesia, trichogramma e metarhizium.

Cultura em mudança | Acostumado a aplicar agrotóxico e observar as pragas mortas nos dias seguintes, o produtor rural pode suspeitar da eficiência de uma ação que demora dias – ou semanas – para fazer efeito.

Pedro Faria sabe dessa tradição. Ele salienta que, no caso de defensivo biológico o tempo do resultado depende da formulação e do tipo de agente. Mas, assegura que o efeito no controle final é inquestionável. “Não há como calcular o valor da aplicação, nem a sua duração. Nós falamos em manejo onde o resultado final que se busca é produtividade, e muitas vezes o beneficio que se gera com o uso do biológico em sequencial se estende por mais tempo. Difícil mensurar. Depende de cada área, de cada manejo adotado”.

Seus argumentos sobre benefícios no médio prazo são também parte de seu otimismo para acreditar que o agricultor brasileiro vai mudar de ideia acerca da “urgência” em ver tudo resolvido.

Sobre o equilíbrio de mercado – oferta e procura – ele diz que atualmente as indústrias estão conseguindo atender a demanda do setor. “Entretanto, esta situação poderá reverter se considerarmos um crescimento acelerado previsto ao longo dos anos”, avisa.

Ele, no entanto, acredita na perspectiva de crescimento da produção “com o advento de técnicas de produção em larga escala, do fortalecimento de empresas nacionais tradicionais na produção de biológicos e da inserção de empresas produtoras de defensivos químicos neste setor”.

 


História

O Brasil é um dos pioneiros na prática; os Estados Unidos começaram a comercialização

As primeiras experiências com esse tipo de técnica no Brasil foram realizadas pelo departamento de Entomologia da Escola Agrícola Luiz de Queiroz (Esalq) e aplicada na broca-da-cana, na década de 1950. Os pesquisadores começaram a liberar moscas nativas, semelhantes às domésticas, para combater a praga.

No começo a estratégia surtiu efeito, mas após alguns anos a resposta biológica ficou abaixo das expectativas. Por isso, na década de 1970, foram importadas as primeiras linhagens da vespa Cotesia flavipes, posteriormente substituídas por outras mais agressivas.

No que se refere à comercialização, os primeiros insetos foram vendidos na década de 1960, nos Estados Unidos. Eram joaninhas para controle biológico de pragas em jardins e viveiros.

O avanço na área ocorreu a partir dos anos 1980, mas já em 1977, um estudo feito por pesquisadores norte-americanos listava 95 empresas nos Estados Unidos e Canadá que vendiam produtos destinados ao controle biológico de pragas.


Controle total

O controle biológico pode ser natural ou aplicado e não existe risco de organismos exóticos nem da dizimação de espécimes

Presidente da ABCBio informa que o controle biológico pode ser natural ou aplicado: “Dentro do controle biológico podemos constatar duas fases distintas: o controle biológico sem a interferência (ou seja, na forma como é encontrado na natureza) e aquele que é feito mediante introdução, manipulação e aplicação de organismos capazes de agir de forma contrária as pragas e doenças. Conheça-os:

Controle biológico natural: refere-se à população de inimigos que ocorrem naturalmente. São muito importantes em programas de manejo de pragas, pois são responsáveis pela mortalidade natural no agroecossistema e, consequentemente, pela manutenção de um nível de equilíbrio das pragas.

Controle biológico aplicado: trata-se de liberações inundativas de parasitoides ou predadores, após criação massal em laboratório. Este tipo de controle biológico é uma prática muito importante na agricultura atual, principalmente dentro de planos de Manejo Integrado para pragas e doenças”.

Sem risco de perder o controle | Pedro Faria Jr. garante que não existe risco de organismos exóticos nem da dizimação de espécimes: “o governo brasileiro controla de forma bem rígida a entrada de organismos exóticos vivos no país. Estes organismos devem passar por uma série de procedimentos que envolvem desde a quarentena até a adaptação do mesmo às condições climáticas do país e, principalmente, a avaliação do potencial invasor desta espécie, prevenindo assim contra a criação de uma nova praga ou até mesmo a eliminação de espécies nativas”.

O único laboratório credenciado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para estes organismos no Brasil é o de Quarentena “Costa Lima” (LQCL), da Embrapa Meio Ambiente, localizado em Jaguariúna (SP). Pedro reafirma que o controle biológico tem por essência melhorar o equilíbrio do sistema, onde um organismo não dizima outro no ambiente nativo. “O controle biológico busca o equilíbrio favorecendo a convivência com a praga ou doença no sistema agrícola”. Ele diz ainda que para se registrar um agente biológico de controle são exigidos vários estudos ecotoxicológicos provando que o mesmo gera impactos na natureza.

“Além de testes toxicológicos que comprovam a segurança para os seres humanos e demais mamíferos”.


Mercado em ascensão

Presidente da ABCBio fala do crescimento do mercado e aponta razões para a expansão no futuro

Pedro Faria Jr estima que a indústria de biocontrole esteja crescendo 5 vezes mais rápido que a indústria de defensivos convencionais no mercado global.

Segundo ele, a tendência é que o percentual de expansão deste segmento nos próximos anos fique entre 15 a 20% do mercado total de defensivos agrícolas no Brasil.

“No mercado internacional, estudos apontam que o controle biológico cresce a uma taxa de 16% ao ano”, revela o presidente da ABCBio. E relaciona os motivos:

• Nova mentalidade do setor produtivo – o Manejo integrado de pragas cresce num ritmo acelerado e os defensivos biológicos são primordiais neste sistema.

• Oferta limitada de novas moléculas – a química convencional está esgotada, existem pouquíssimas moléculas novas em fase de registro.

• Foco em uma agricultura mais sustentável – busca por produtos menos tóxicos ao meio ambiente e ao homem.

• Evolução da resistência das pragas aos produtos sintéticos – Uso de defensivos biológicos estendem a vida útil de produtos sintéticos e do controle pela transgenia.

• Avanços tecnológicos oferecem caminho para desenvolvimento potencial de produtos biológicos mais eficientes.

• Menos burocracia – a pressão regulatória pela gestão de resíduos favorece a aprovação de produtos mais seguros e naturais. Autoridades regulatórias adotando avaliações mais restritivas e limitando os registros de defensivos químicos.

• Aumento da demanda do consumidor e supermercados (busca por produtos com resíduos zero).

• Aumento de estudos de compatibilidade, de pesquisa e desenvolvimento favorece o uso dos defensivos biológicos junto com os defensivos sintéticos, convencionais.

• Evolução continua da escala de produção e métodos de aplicação.

 


Algumas pessoas entrevistados e/ou citadas na matéria podem não ocupar mais os cargos mencionados no texto.